terça-feira, 30 de novembro de 2010

VOLVE AO PASSADO!

Volve ao Passado, incerto desespero
desse tempo perdido que se esvai:
Sonâmbula distância…
De pálpebras cerradas, a Lembrança,
nem ao menos se cansa
de olhar, além da sombra, o que lá vai!

Volve ao Passado,
abrindo o livro de Horas
em oração de pétalas desfeitas,
num sopro de poeira, no caminho…
e, na estrada deserta,
apunhalando a tua consciência,
completa a decadência
da tua sombra incerta!

Sem covardia,
encara e vê o que lançaste ao vento!
quanto tempo perdido…
quanta luz apagada num momento!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

CORAÇÃO

Perdeu-se pelos ermos da lonjura
meu coração:
de mágoa ensanguentando a noite escura,
trespassando-a da sua inquietação!
Errou, errou, a soluçar no vento,
abrindo-se em relâmpagos no espaço;
rugiu na tempestade… e, num areal sedento,
ardeu… até volver-se em fumo torvo e baço!

Hoje é lembrança vã, é pó, esquecimento…
mas, dentro do meu peito, a sua ausência
sangra, de noite e dia,
brilhando com sinistra refulgência…
(faz-me cruel e doce companhia!)

Humana e rubra flor,
desfolha-se de dor…

RONDA DE SAUDADE

Folhas mortas da Árvore da Vida,
em seu desânimo profundo,
vão caindo… caindo sem cessar
nas áridas planícies da minha alma:
imagens silenciosas de aparências
vãs, tatuadas de sonho,
de ansiedade latente sobre imagens
dispersas na penumbra… Erguem-se mágicos
desenhos de incerteza, em desalinho
de formas… Crescem
fantasmas pela densa escuridão…
Folhas secas da Árvore da Vida
caem no meu nocturno pensamento,
em ronda de saudade…
Se a morte é uma outra vida,
reflexo desta, eu quisera
não ver nunca estio e inverno
mas só luz de primavera.

Flores de Coral
ALBERTO OSÓRIO DE CASTRO

SOLIDÃO MAIOR

Terceiro livro de poesia de Maria de Santa Isabel.

Coimbra Editora, Limitada
1957


Tenho da terra a lúcida visão
dos horizontes largos, em redor,
e este orgulho maioral
da vasta solidão,
que é solidão maior!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

SACRO MONTE

Dum jardim, todo em flor, da Alhambra enfeitiçada,
contemplo o Sacro Monte…
e, a minha alma, na alma de Granada,
nesta hora de penumbra,
é uma chama a crescer, a palpitar de Vida,
a doirar o horizonte:
borboleta a queimar-se, entontecida,
no próprio sonho alado,
em que volteia, em que de espanto se deslumbra…
Um outro eu, distante, alheio e vago,
acorda, esparso em tudo,
na tarde que é um afago
de sombras de veludo,
de cinzas do Passado!

Oh Granada, que os ventos do Levante
abrasam de paixão… Oh incendida
miragem delirante,
no deserto sem fim da minha vida:
venho de longe… andei como a penar,
de ermo em ermo, na incerta caravana…
nem sei o que te conte
de mim, desta minha alma de cigana,
que volve, de saudosa, ao Sacro Monte,
a chorar, a sangrar!

«PASSEIO DOS CIPRESTES»

(Granada)

«Passeio dos Ciprestes…» A Tristeza
vestiu-me de sombria soledade,
ungiu-me de inefável suavidade,
de estranha comoção, doce pureza!

Insinuou-se em mim, com a levesa
duma penumbra sobre a claridade…
era um sentir, a medo, uma saudade,
um penar da minha alma portuguesa!

Murmúrio de água – toada de amargura –
vinha chorar em mim sua agonia:
era uma voz, que se perdia, escura…

«Passeio dos Ciprestes…» Nostalgia
do Céu… lá dessas terras da Ventura…
Que sonhos, no expirar daquele dia!

SEVILHA

Eras tão minha sem te conhecer,
Sevilha ardente: como se te vira,
no meu desejo imenso aparecer,
em bela flor de sol estremecer,
num surpreendente céu, cor de safira!

Em tuas mãos, o leque de mil cores:
cravos, bailados, toiros, «alegrias…»,
e, sobre o coração, altos fulgores,
incêndios desvairados de esplendores,
jóias de Virgens, loucas pedrarias!

Tuas músicas vibram, luminosas,
em lantejoilas de oiro, palpitantes,
em carne rubra, cálida, de rosas…
mas, choram sempre, em notas dolorosas,
o «cante jondo» e a alma de Cervantes…

Debruças-te, convulsa de paixão,
sobre a arena, onde tudo é sonho e Morte!
Pelo «traje de luces» da Ilusão,
arrancas do teu peito o coração:
é para quem te consagrou a «sorte…»

Oh maga terra em fogo: a tua vida
é feita dum sentido deslumbrante,
de inquieto crepitar de chama erguida,
de essência de jasmim, enlouquecida,
de ruivo sonho que delira, estuante!

Envolve-me na luz, que se incendeia
de amor, em tua graça de morena:
Ah, deixa-me perder na maré-cheia
dessa alegria que tão alto anseia,
Oh Sevilha da Virgem Macarena!

«BOLERO»

Na tarde, freme a cor de mil centelhas
do sol incandescente;
há uma alegria feita de vermelhas
exaltações dum mar aceso de rumores…
(Nem sei o que a alma sente!)
Perturbadoramente,
prossegue do «bolero» o vivo lume,
em surdas notas, que se exalam em perfume…
É o instante supremo da «faena»!
e, num bailado bárbaro, terrível,
Ele – o grande toureiro – está na arena,
ultrapassando o Inatingível!
E do «bolero» a música distante
desfolha flores
sobre o bailado, de desenho alucinante,
do toureiro que a fera já domina!
E, negro, é um bronze o toiro…
O pasmo nos fascina!
A multidão aplaude, ruge e grita;
e o «bolero» crepita,
em crespas notas de oiro…

Vermelho e oiro-sol! Ouvem-se bravos,
incendiados, da cor de ardentes cravos,
e da muleta, sobre a espada fria…
E do «bolero» a onda de harmonia
(longínqua e perto, esmorecida e forte)
diz todo o sonho da Andaluzia,
sonho de Vida e Morte!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

AS LÁGRIMAS DO ÁRABE

Ao Roberto

Quando o árabe entrou na Catedral,
a par de si, o Tempo ajoelhou,
e doce auréola sobrenatural
a sua fronte deslumbrou!
Retrocedendo séculos distantes,
viu a Mesquita aberta, em horas calmas,
sem pórticos de sombra, - como dantes
era a casa de Deus, à luz das almas!
Aquela arcada imensa, perspectiva
dum cenário imortal de tempos idos,
ressurgia, na forma primitiva,
como que alucinava os seus sentidos!
A sua veste, na penumbra,
mìsticamente branca se quedara…
e eis que toda a sua alma se deslumbra
Ante a visão do Tempo que passara!
E os seus olhos arrasam-se, distantes,
de lágrimas e luz de áureos instantes!

E, nesse dia, a Catedral recebe
meditações e preces diferentes:
Para Jesus, no apelo dos seus crentes…
E para Alláh, no rito de Mogreb!

Córdova, Outono de 1950

JOSÉ ANTÓNIO

Ao Pedro

No Escurial, descansa, em pedra fria,
José António, em paz adormecido…
Túmulo simples, tão desguarnecido
como era a blusa azul que Ele vestia…

Uma palma de bronze, - alegoria,
a evocar o alto nome estremecido:
preito de nobilíssimo sentido,
fulge de Glória, de íntima harmonia!

Seu coração, na sombra do mosteiro,
abrange a Pátria imensa, num luzeiro
que é todo o ardor da sua fé tamanha!

E a sua alma, a florir, a abrir, contente,
por esse Espaço… é uma oração ardente,
pedindo a Deus a bênção para Espanha!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

TOLEDO

A António Parreira Cabral

Abre o seu leque, em púrpura doirada,
a tarde, sobre a calma do horizonte:
e Toledo recorta-se de fronte,
de mim, como gravura desbotada…

O Tejo, adormecido, aos pés do monte,
- lâmina de aço, curva, cinzelada…-
Espera, pela tarde de balada,
que a Lua surja… poética desponte!

El Greco anda a pintar, na tela imensa,
o perfil da cidade, em forma esguia:
e, ele, em sombra do Tempo se condensa…

O Passado ressurge, ao fim do dia:
tão vivo e tão real como a presença
desta imagem, que é oiro de magia!

CIUDAD RODRIGO

Ao Tio Alberto

Quando abri a janela,
que singular visão!
era como se os campos de Castela
me tivessem florido o coração!
Este ambiente acorda,
dentro de mim, uma saudade louca!
nem sei que me recorda…
Sinto a bênção do sol na minha boca!
Qualquer coisa de sonho que foi meu,
(lembrança pura e calma…)
como sabor de luz vinda do Céu,
entrou em mim, quedou-se na minha alma…

Esta paisagem grave que eu olhava,
à luz do sol, a vez primeira,
era aquela que sempre me falava,
que sempre conhecera a vida inteira!
Pareceu-me que toda a minha vida,
ali, florindo, fôra,
em paz embaladora,
doçura indefinida…
De noite, eu só, nessa janela aberta,
era como fantasma em seu castelo,
a contemplar a vida que desperta,
depois dum pesadelo!

Ali, talvez, sofrera em outra era,
ali teria amado…
e, assim, tudo ficara à minha espera,
à espera que eu tornasse do passado!

Reminiscência dalgum longe incerto,
ou divagar da minha fantasia,
ressurgindo (miragem no deserto…)
da minha louca e vã melancolia?

Perpetuamente,
sempre a sonhar contigo,
fique, batendo em ti, meu coração,
Oh burgo esplandecente,
minha paixão,
Ciudad Rodrigo!

Nota

Os poemas seguintes continuam a ser do livro TERRA ARDENTE, mas dentro do capitulo IMAGENS DE ESPANHA

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

AQUELA PORTA…

Aquela porta… sim! aquela porta
sempre cerrada,
é sentinela morta,
que surge à entrada
do caminho da Vida!
Eu quero passar,
na estrada comprida
e cheia de luar!
Aberta esta porta,
a Vida é lá fora,
por mim a chamar!
Eu quero passar,
viver esta hora…
o resto, que importa?
Há música, há luzes, há gente que vive,
e tem o que eu sonho, e tem o que eu não tive!

É tarde, afinal… já não devo passar!
E caio, de joelhos, à porta, a chorar!

ALÉM DA MORTE

À memória da minha querida Avó

Tanto de mim se foi naquela hora
que sinto a minha vida quase morta…
mas presa, ainda, ao Mundo, pois não corta
as grades da prisão que me apavora!

Quero partir de todo! À minha porta,
a sua voz dorida, reza, implora,
para que a vá seguindo como outrora,
se o que resta da vida não me importa…

Tanto, tanto de mim foi a enterrar
com sua doce imagem de marfim,
que, além da Morte, há-de chamar por mim!

Ah, pudesse eu cumprir o meu desejo:
levar-lhe a minha vida… e, num só beijo,
dizer-lhe que podia descansar!

ÀQUEM

Os meus olhos, ao largo do horizonte,
perdem-se em vão anseio de Infinito!
Tudo é estéril tristeza! E, ao vento aflito,
desoladoramente, inclino a fronte!

Nem o clarear dum gesto que me aponte
o terminar da noite em que me agito;
sem que, da noite, enfim, se solte um grito,
sem que a luz dum milagre, enfim, desponte!

Sei, apenas, que vivo, porque existe,
sangrando, no meu ser, esta amargura,
que jamais me abandona: em mim persiste…

Vai mais longe que os longes da Planura
o meu olhar nevoento e vago e triste,
sempre àquem do que sonha e que procura!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

MINHA ALMA

Minha alma de cigana é trágica e selvagem…
que rutila miragem,
que sonho ideal procura,
no deserto sem fim da sua noite escura?

Heráldica de dor: a sua imagem
é flama de Ansiedade, em campo de Amargura!

VENTO SUÃO

Toda a noite chorou, à minha porta,
o vento «suão»…
Foi arrastando tanta folha morta!
mas, não poude levar meu coração:
porque, pesado de ais, nenhuma força o leva!
Fica a morrer, ao abandono, em minha treva,
na minha solidão!

O ROUXINOL

O rouxinol cantara à Noite imensa,
(sobre este freixo, aqui, mesmo ao meu lado…)
cantara, como em sonhos, embriagado
de luar… e a Noite, em sua voz, era suspensa…

Cantou! Cantou! A Noite, por encanto,
abriu-se em flor… e, leve e pura e calma,
rescendia de Graça… o rouxinol cantava…

Porque, meu Deus! a espaços, entretanto,
de gostoso sofrer, baixinho soluçava,
erma e triste, a minha alma?

SÃO JOÃO DE DEUS

Ele nasceu nesta planície imensa,
que Deus tocou de graça merencória:
desde esse instante – como recompensa –
a terra abre-se em luz, abrasa em Glória!

Deus lhe marcou, sorrindo, almo destino:
ser Santo… ser herói… e sobrehumano
Poder… excelsa afirmação… divino
penhor da fé do Povo Alentejano!

Oh Montemor, aos claros céus erguida,
como oração – suspenso belveder –
foste madre de tão preciosa vida:
ficaste para sempre a esplandecer!

VISÃO DA ARRÁBIDA

Ao Professor Francisco Gentil

A paisagem que avisto é uma aguarela calma…
Em sua plácida beleza,
extasiada, transmite à nossa alma
a dádiva do Céu à Natureza!
Não se procura: vem, suavemente…
entrega-se, confiante;
dentro da gente,
fica a florir… é doce, instante a instante!

Ah, como eu sinto o bem da sua imagem:
abranda esta crueza, chama à Vida
meu revoltoso espírito selvagem!
Minha alma que se afoga, ennoitecida,
acorda ao resplendor desta visão
de imensa claridade…
e eu ergo para Deus uma oração…
e é todo puro o sonho que me invade!

A Serra beija o Céu, direita, a prumo,
e vai lançar-se ao mar que espuma em rendas…
Nos longes, há distâncias quase em fumo,
e o mar tem arabescos de legendas,
rimas de luz
de Agostinho da Cruz…
e pairam, num enlevo,
contas do seu rosário, em versos brandos,
que o Tempo anda a rezar, à flor do trevo:
pombas brancas sem fel…suaves bandos…
Do Céu azul, de seda transparente,
tomba divina unção que envolve tudo!
O sol é oiro quente…
os vastos pinheirais são de veludo,
as velas são papel rasgado ao vento,
sobre o mar de esmeralda e superfície lisa…
E este momento
parece eternizar-se… em sonho cristaliza!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

CAMPONESA

Ao Dr. Marques Crespo


Só falarei de ti,
(nada mais sei dizer…).
Oh Terra onde nasci
e onde quero morrer!

Há qualquer coisa em ti que me pertence
e será sempre minha;
só tua voz amiga me convence,
só ela me acarinha!
Mesmo distante, sempre estou a ver-te,
na poética lembrança que me invade ;
se meu coração ri e se diverte,
por ti, chora, desfeito de saudade!
Tu falas à minha alma com ternura
de mãe abençoada,
desde o romper da aurora à noite escura,
desde o sol-posto à luz da madrugada!
Eu sinto que me chama docemente
tua presença calma,
quando a tristeza imensa do poente
se reflecte nas sombras da minha alma!

Que me conserve Deus a minha casa,
na terra onde nasci,
e, na lareira, o fogo duma brasa,
onde a velha «boneca» me sorri:
Um «monte», apenas, branco, refulgente,
de «roda-pé» garrido,
aberto a toda a gente,
sempre de luz vestido!
Loiça vidrada, que saiu da feira,
para enfeitar,
e bilhas, frescas, sobre a «cantareira»,
para a sede de todos mitigar;
«arame» rebrilhante como espelho,
entre vasos de flores,
e esteiras novas de bonitas cores,
tingindo de alegria o chão vermelho…
Ambiente perfumado
de fruta pendurada e rosmaninho…
e pombas no beiral do seu telhado…
(Passam ranchos, cantando ao longo do caminho…)
Tudo ali resplandece, tudo brilha,
como um dia de festa!
Nos alegretes goivos e baunilha…
Ai, como a vida é boa assim modesta!

Eu, para ser feliz, não quero mais
do que este sonho, - simples aguarela:
à porta, uma latada e dois «poiais»,
e, sobre o poente, aberta, uma janela…
Gosto de ver o sol adormecer,
(graça que me ficou da alegre infância)
cerrando os olhos para anoitecer
nos longes azulados da distância!
A completar o quadro sossegado,
um oratório e cruzes de alecrim,
e a «bruxa» acesa, sobre o altar sagrado,
onde a saudade, um dia, há-de chorar por mim…
Esperarei tranquila, a minha sorte,
neste lugar…

E, sem medo da Morte,
a um lusco-fusco de oiro, hei-de passar…

SANTO ANTÓNIO

Nesta noite vermelha de arraial,
nasce em minha alma um sentimento novo,
original:
quisera ser do Povo,
cantar ao Santo António, a rir, a rir,
em alegria louca…
e sentir o sabor dos cravos a florir
na minha boca!

Balões de cor,
cravos rubros aos molhos,
dariam aos meus olhos
vagos sonhos de amor!

E eu iria colher ,
com outras raparigas,
as alcachofras roxas: p’ra saber,
na fogueira da Vida, entre cantigas,
a minha «sorte»!

- Oh Santo António, qual a «sorte», que me espera:
Uma vida de morte?
Uma vida de clara primavera?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

TARDE DE AGOSTO

A própria sombra é quente ainda,
sopram do poente bafos de fornalha;
qualquer coisa distante evoca uma saudade!
A música do «suão», em sua toada ardente,
arrebata a minha alma…
Sombras acordam, nesta luz de brasa,
sombras de Outrora,
sombras, talvez, de mim…
Adeja em febre o espanto das Queimadas,
e, em febre, é o meu cismar, da cor do lume!
Toda eu sou esparsa em longes, soledades,
nesta hora que passa,
nesta estranhesa,
que surge, ao derredor: no ar que se respira,
no «suão» aos ais, na esteva ressequida,
no silêncio do ocaso, todo em cinza…

«DE PROFUNDIS»

Dobram sinos de bronze, pelo espaço,
ecoa o «de profundis» num lamento,
o sol empalidece, triste e baço…
é o Estio a morrer, a cada passo,
a enterrar-se na luz deste momento.

A Terra veste cor de cinza escura;
nuvens toldam o ar, tornando-o espesso!
Há luto roxo em notas de amargura…
E tudo a sombra cobre e transfigura;
pressinto a Morte… e, lívida, arrefeço!

O Estio despediu-se, de repente!
(Adeus, oiro! Adeus, fogo purpurino!)
Despiu seu trajo rubro, incandescente…
como fogueira enorme, ao sol-poente,
ardeu na própria luz do seu destino!

Foi-se adensando a sombra no arvoredo,
desceu, desceu a noite silenciosa…
Résteas de sol ficaram em segredo
sobre as últimas rosas, quase a medo,
velando, em quietude religiosa…

Hora lilaz de místico abandono
envolve a campa enorme da Planura,
onde o Estio repousa em calmo sono…
A luz que anda nos céus é já de Outono,
insinua-se em nós, magoada e pura…

Mãos esguias de sombras o enterraram,
cobriram-no de poeira folhas mortas!
longamente, piedosas, o embalaram…
Em sinal das saudades, que ficaram,
cerra mais cedo a noite as suas portas!

MEUS PENSAMENTOS

Meus pensamentos bailam, desgrenhados,
Além, nesse horizonte, em «calma» alucinante,
dispersos nos restolhos abrasados,
perdidos pela curva larga e errante
deste bailado em fogo…
e, logo,
seguindo as chamas em delírio,
desfeita de martírio,
minha alma sangra ao vento!
Oh mágico «suão»,
tu planges, em teu lúgubre lamento,
o meu lamento em vão!
Meu corpo é terra ardente,
que se funde na hora incadescente!
Não me encontro, perdida na poeira,
febril, deste momento!
Meu coração
é toda a vastidão
da Terra em fogo, em alma, em sentimento!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

RECORDANDO O PASSADO

A minha Irmã

Seguimos, ambas, pela estrada fora,
e lado a lado, como antigamente;
contudo, a vida hoje é diferente
dessa vida de outrora.
Nós mudamos, também…
(de criança a mulher vão tantas penas…!)
Tu, mais feliz do que eu, mulher e mãe,
eu só mulher apenas…

Mas, olhando a distância do passado,
sinto-o perto de nós,
talvez por caminhar, sempre a teu lado,
ouvindo a tua voz…
Tudo ficou assim do que era dantes,
nesta moldura amiga,
e os outros tempos, que lá vão distantes,
conservam, para nós, a graça antiga…

A mesma casa, em volta,
o cenário que sempre conhecemos…
(Triste, o silêncio, solta
lamentos das saudades que nós temos…)
Foi nesta rua, à sombra dos lilazes,
que se passou a nossa vida inteira;
agora, como nós, os teus rapazes
continuam a nossa brincadeira!

A tua filha és tu! Como quem sonha,
cerro os olhos um pouco,
e, ao vê-la, assim risonha,
(que pensamento louco!)
volto a ser o que fui antigamente!
(não são, pois, as crianças
que envelhecem a gente,
só nos vêem trazer doces lembranças!)
Que miragem tranquila!
Oh meu Deus, quem me dera,
sempre, sempre, senti-la,
num doce reflorir de primavera!

Como tudo é igual nesta saudade:
o perfume dos campos,
o som, a claridade,
e até, à noite, os mesmos pirilampos,
na relva do canteiro!
tudo, nesta saudade, recordamos!
Eu quase chego a crer que o mundo inteiro
desejara sonhar como sonhamos!
E seria tão bom que este ambiente
se conservasse calmo até ao fim:
nós, tranquilas, à espera do poente,
na sombra do jardim!
Envelhecer assim,
será mais doce;
nem daremos por tal,
porque o nosso passado iluminou-se,
como antigo vitral…

Que importa se mudámos?
Nesta hora,
embora a vida seja diferente,
seguimos ambas pela estrada fora…

Pudessemos segui-la, eternamente!


(Nota minha: o "cenário" é o mesmo daqui e daqui)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ELEGIA

À memória querida do meu Avô
Aberto Osório de Castro

Partiu contigo, Avô, toda a beleza,
que, em teu espírito, alada, resplendia:
fui o vitral, ao sol, que a reflectia,
confusamente, em pálida incerteza!

De ti vinha a Poesia!

Teus versos, que sonhavam primaveras,
tinham a luz das asas das Quimeras;
doiravam-me de sonho a natural tristeza!

Mas, não morreste, não! Eternamente,
o teu anseio eleva-se mais forte:
é Vida a perpetuar-se, além da Morte!

Mas, eu naufrago no meu sol-poente!