segunda-feira, 27 de junho de 2011

VISÕES GOYESCAS

Espero a tempestade sobre o monte,
onde uma cruz – a minha cruz – abriu os braços
aos relâmpagos fantásticos, azulados,
a qualquer inclemência que desponte
e que venha abranger todos os lados!
Uma emboscada surge, a cada canto,
pressinto-a na penumbra dos meus passos
apunhalando, em mim, a noite escura!
O meu grito, no mar, afoga-se de espanto,
uiva no temporal e sangra na loucura!
Num bailado enigmático, bravio,
sem respeitos humanos nem divinos,
vou contra tudo e contra todos! Desafio
os deuses, os destinos!
Despi-me de mil véus: cambiantes falsos
que turbavam à luz dos movimentos;
foram cair sobre os meus pés descalços,
num monte de lamentos!

Ateio esta fogueira de inconstâncias,
sonhos mortos, incensos de vaidade
e centelhas de vida:
Espero a tempestade!

No meu cabelo negro, solto ao vento,
gotas de chuva, enormes,
rolam… escorrem mágoas e distância…
Cheira a terra molhada o pensamento;
sabe-me a boca a lume
e o meu olhar vislumbra a Eternidade!

Pesadelos de insónia, inconcebível,
monstruosas imagens desconformes,
neste bailado bárbaro, terrível!...
Entontece-me o fogo e o perfume
das raízes, no Tempo! O lumaréu,
em serpentes de luz, envolvendo-me, arrasta
meu corpo sobre as chamas, em nefasta
destruição que abrange a humanidade:
reproduzindo sombras gigantescas,
eleva até ao céu
a minha cruz… entre visões goyescas…
e a minha cruz se funde em tempestade!

quinta-feira, 16 de junho de 2011

PLANÍCIE AZUL

- Anda sentir o mar!
Faz parte do silêncio!
O meu naufrágio de Alma está sepulto
no meu mistério fundo!
Hoje, em montanhas verdes,
cavo e sinistro, aumenta o som profundo
a rebentar de encontro aos descarnados
rochedos! Amanhã… despindo a bruma,
é uma planície azul:
como um rasgão de céu na terra escura…

BAILADO DE SOMBRAS

Caíram num pretérito infinito
folhas mortas que há pouco deram vida
tão presentes de Outono!
E o vendaval renova-se, medonho!
deixa uma longa estrada interrompida,
quebra o último sono
a espada do seu grito
à minha alma interdita a qualquer sonho!
Sou árvore despida,
corpo de gelo
que se recorta em horizonte morto,
erguendo ao Céu os braços, num apelo,
que se funde no Tempo! Em meu olhar absorto
um bailado de sombras se avoluma…
pisa lembranças… No primeiro plano
ergue um momento à Dor…
que logo apaga e esfuma!
Eterno, desumano,
dramático esplendor!

ROSA VERMELHA

Meu coração não ama nem odeia…
Somente vive o resto que lhe falta
para saber cumprir
outra razão mais alta!
Rosa vermelha, aberta, que me enfeita
A Alma toda e se conserva alheia
a tudo que me cerca de vulgar,
quantas vezes desfeita
na forma de sentir,
quando a quero fechar!

BÚZIO

Vieste na aragem
das asas marinhas
debruando a margem!
Brancas camarinhas
de pranto salgado,
a abrir o caminho
- em verde molhado
de agulhas de pinho –
aonde se enterra,
em campo de mágoa,
meu sonho de terra!
Como quem me chama
num búzio distante
de outro mundo de água
que afogue o meu drama
nesses encobertos
mundos de coral…
e me desencante
a Alma que eu trago
de braços abertos
em cruz, sobre o vago
sobrenatural!

SANGUE EM FLOR

Já fui noutra hora,
a terra florida,
abrindo lá fora
as portas à Vida.
Sem medir poemas
nem trair motivos
quebrando as algemas
de sonhos cativos!
Desfolhando à luz
cravos encarnados
que eram sangue em flor,
todos abraçados
no meu coração…
e, depois, na cruz
que arrastei no mundo,
mudaram a cor
em roxo profundo,
pisados no chão
pela minha dor!

CAÍRAM AS HORAS

Dedadas de sombra, no vidro parado
da água dormente,
quebraram a própria quietude do ar,
liquido e fremente!
Cobriu-se de véus de alargada ilusão
o charco apagado,
perdido no chão!
e logo acordou em milhares de vidas
seu adormecido e frio coração!
Era uma taça de brancas margaridas,
só porque as estrelas vieram brilhar,
por instantes breves no vidro coalhado…
e ficaram na água, a tremer, a bailar,
como diamantes!
Caíram as horas no pego estagnado,
em tempos de luz… e na sombra desperta
um som tão profundo
que círculos de oiro e de prata se abriram,
naquele silêncio desfeito e quebrado,
tentando galgar toda a margem deserta:
até reflectiram visões de visões
de outro mundo!

CREPÚSCULO

Baixam as asas mansas do crepúsculo
na paz dos olivais
Todo o silêncio pousa nos caminhos
em véu cinza…
A tarde ergue uma taça luminosa,
além do fundo azul dos vagos montes,
toda em cristal e oiro,
longe… onde a noite vai abrir violetas!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

LABIRINTO

Valem distâncias sobre ideias vagas
que se acumulam neste labirinto,
valem tendências mórbidas que afagas
por tudo que eu não disse… ou que eu não sinto…
Valem sarcasmos, risos, incertezas,
pela amargura de sonhar poesia…
um rosário de lâmpadas acesas
ao santuário da cruz-melancolia!
Valem desejos de infinitas preces
que não foram ouvidas;
neste acabar de tudo me apareces
por muito que não esqueces…
nas coisas que não eram pressentidas!
Um murmúrio de ensejo que não vence
esta apatia incerta
que para além do todo me convence…
A página deserta
que só não vale a pena de viver
sem não realizar…
Um rosário de lágrimas caídas
e de penas sentidas
que me vestem de sombra e de luar…