sábado, 10 de setembro de 2011

O TEMPO

Quebro o espelho do Tempo,
exausta de esfolhar melancolia…

IDEIA MORTA

Agora voltaste… naquela indecisa
lista branca e nua
que despiu a noite num grito de lua !
Ficaste na areia
do jardim, tão calma !
e depois, num golpe, rasgaste a janela !
(minha ideia morta…) Foi a lua cheia
que veio dar com ela !
Amanhã, dispersa… ideia perdida…
quando o sol abrir
em reflexos de alma
na medalha-sombra do meu coração,
irei desfolhá-la… quase a bem dizer
como esfolho a Vida
pela minha mão !

QUE VAI SER DEPOIS ?

O que vai ser depois, quando o horizonte
fechar os olhos, rasos de infinito
numa expressão de morte,
cortando-me o caminho de aventura?
O que vai ser depois ?!...
Minha sombra a bater asas feridas
sem poder evadir-se !
Tudo será quebrado, no momento
da expectativa amarga do limite
de encontro aos olhos tristes, apagados
em pálpebras de terra !
O que vai ser depois, neste horizonte
de máscara de fogo
cerrada a qualquer sonho,
sem imaginação que me liberte
da minha cruz de pedra
a enterrar-me no círculo marcado?

ALHEIA E VAGA EM SOM…

E o mal voltou:
um mal antigo que tornado ausente
se perdera de mim.

E logo, imagens tristes que deixara
dispersas no caminho
ressurgiram ferozes !
Num inter-sonho e realidade informe,
de novo abrange o seu lugar vazio,
toma presença, aumenta
a tensão em redor!

Destrói aquela instável calma onde se abrira
uma clareira a reflorir perdão,
sem que eu desse por tal
de tão alheia e vaga em som, em mim !

A FLOR QUE EU TEMIA

Abriu no meu peito
a flor que eu temia,
não de amor-perfeito:
de monotonia !
e criou raízes
no campo sem dono,
de sempre, em pousio…
rimando infelizes
motivos de frio,
em folhas de Outono!

PENA

(À irmã Maria Catarina)

Tenho pena de tudo que me cerca:
de mim, de ti, de todos que assemelho
à vida que se perca…
Uma pena sem nome, sem limite,
que adere à pele, ao sangue, aos meus sentidos
e entorna uma tristeza que transmite,
num tom geral de quebra-luz vermelho,
medos desconhecidos;
medos que esplendem nessa luz estranha
e afogueiam o espelho
da minha Alma ! Num fundo musical,
desarmonia bárbara acompanha
estas visões: amargas dissonâncias !
Tudo se vive em drama: arde, envenena
um ramo de magnólias sobre a mesa
na jarra de cristal,
a perturbar distâncias…
a desfolhar de pena…

VÉSPERAS

Num adeus, vou partir, em sombra triste
por tudo o que não fora… sobre apenas
caminho, entre renúncia a abandono:
Dobrada aquela curva, não existe
um acabar de vida ! São apenas
os últimos momentos imprecisos,
ao levantar de Outono,
cavados nos escombros da ladeira
até ao precipício ! Indecisos,
meus passos vão negar a vida inteira !
Eu resto nessa pausa que medita
em bruma, a extrema-unção de anoitecer:
Hora mista de sombra e claridade,
a todos interdita
no mistério que vai acontecer,
perante a Eternidade !
Intervalo-penumbra… não é dia…
nem a noite completa e realizada,
em negro vasto e fundo !
Um lírio em agonia,
desfolha a hora roxa sobre um lago
de pranto, até diluir-se
entre o ser e não ser,
que fica no Além distante e vago:
São vésperas de luz a outro Mundo…
que atravessando a noite há-de cumprir-se…
(se eu a puder vencer!)

SINAL DE LUZ

Como um risco a ferir uma ardósia de cinza
o búzio corta a névoa !
Acorda a sonolência
o seu grito de cor na baça esfera
que nos rodeia !
Rasga, em sinal de luz,
um acudir nos longes,
a bússola da bruma
num chamamento à Vida !

ÚLTIMA TARDE

Num tom acobreado em negro e cinza,
ferido a laivos roxos, um pedaço
de céu abriu as suas asas verdes:
Águia de luz a suspender o Mundo
por um clarão de sol !
Ergueu-se contra a noite uma revolta em fogo
de negação à Morte !
Era a última tarde !
Assombravam no monte as oliveiras !
repuxavam a Terra a evadir-se,
num mistério de espanto:
garras negras a contorcer, na dor,
os braços musculosos cor de chumbo
a tocarem o céu
rasgando em sangue o fundo !
Longe, o restolho crepitava… ungia
toda a alma da tarde,
num incensário eterno:
riscava a lume o dorso das colinas…
Sobre o espinhaço em fogo
da Terra, em fúlgida agonia,
restos de sol a arder a noite…
Zuloaga a pintar o fim do mundo!

ASAS MORTAS

Grave incerteza de viver ! Confuso,
o pensamento é águia presa, inerte,
em jaula de granito ! Em vão me acuso
das minhas asas mortas ! Tudo inverte
o espelho da minha alma que reflecte
sentimentos e ideias sobrepostas
aonde o mal e o bem são deformados,
à luz que me compete analisar,
trazer à superfície,
quando as finalidades são opostas
aos princípios errados !
Alonga-se de insónia a noite … desce
a cortina angular de arestas foscas
que tudo abafa, some e amortece…

E AMANHECEU…

E amanheceu; mas a Vida não pára…
Só eu lá fiquei, na distância perdida
dos meus pensamentos,
sem Morte nem Vida…
esquiva e avara
da noite profunda
que em pálpebras roxas, ardentes, secara
a Dor que se afunda
sem prato ou lamentos !

E amanheceu… Ó calma que proveio
da inércia imprecisa, tombada e dormente
que segue o delírio estonteante do Caos !
Pavor ou receio,
essa tão humana defesa imprudente
dos bons e dos maus?
E o tempo caminha, ante o curso marcado
da flor que desperta, viva, ao sol ardente,
e logo se esfolha em silêncio pesado.

Tudo amanheceu…e segue…indiferente…

RETRATO DE ALMA

Meu retrato de alma reflecte no espelho
abstracta incoerência
num sulco vermelho !
No fundo um sorriso
abrindo na sombra seu perfil sem nome
de plano indeciso
sobre inconsciência !
Do jeito ficou-me
essa descoberta:
a cinza no tempo de areia deserta…
e o meu ser distante
que jamais se ajeita
à forma inconstante,
à vaga perfeita !