sábado, 10 de setembro de 2011

O TEMPO

Quebro o espelho do Tempo,
exausta de esfolhar melancolia…

IDEIA MORTA

Agora voltaste… naquela indecisa
lista branca e nua
que despiu a noite num grito de lua !
Ficaste na areia
do jardim, tão calma !
e depois, num golpe, rasgaste a janela !
(minha ideia morta…) Foi a lua cheia
que veio dar com ela !
Amanhã, dispersa… ideia perdida…
quando o sol abrir
em reflexos de alma
na medalha-sombra do meu coração,
irei desfolhá-la… quase a bem dizer
como esfolho a Vida
pela minha mão !

QUE VAI SER DEPOIS ?

O que vai ser depois, quando o horizonte
fechar os olhos, rasos de infinito
numa expressão de morte,
cortando-me o caminho de aventura?
O que vai ser depois ?!...
Minha sombra a bater asas feridas
sem poder evadir-se !
Tudo será quebrado, no momento
da expectativa amarga do limite
de encontro aos olhos tristes, apagados
em pálpebras de terra !
O que vai ser depois, neste horizonte
de máscara de fogo
cerrada a qualquer sonho,
sem imaginação que me liberte
da minha cruz de pedra
a enterrar-me no círculo marcado?

ALHEIA E VAGA EM SOM…

E o mal voltou:
um mal antigo que tornado ausente
se perdera de mim.

E logo, imagens tristes que deixara
dispersas no caminho
ressurgiram ferozes !
Num inter-sonho e realidade informe,
de novo abrange o seu lugar vazio,
toma presença, aumenta
a tensão em redor!

Destrói aquela instável calma onde se abrira
uma clareira a reflorir perdão,
sem que eu desse por tal
de tão alheia e vaga em som, em mim !

A FLOR QUE EU TEMIA

Abriu no meu peito
a flor que eu temia,
não de amor-perfeito:
de monotonia !
e criou raízes
no campo sem dono,
de sempre, em pousio…
rimando infelizes
motivos de frio,
em folhas de Outono!

PENA

(À irmã Maria Catarina)

Tenho pena de tudo que me cerca:
de mim, de ti, de todos que assemelho
à vida que se perca…
Uma pena sem nome, sem limite,
que adere à pele, ao sangue, aos meus sentidos
e entorna uma tristeza que transmite,
num tom geral de quebra-luz vermelho,
medos desconhecidos;
medos que esplendem nessa luz estranha
e afogueiam o espelho
da minha Alma ! Num fundo musical,
desarmonia bárbara acompanha
estas visões: amargas dissonâncias !
Tudo se vive em drama: arde, envenena
um ramo de magnólias sobre a mesa
na jarra de cristal,
a perturbar distâncias…
a desfolhar de pena…

VÉSPERAS

Num adeus, vou partir, em sombra triste
por tudo o que não fora… sobre apenas
caminho, entre renúncia a abandono:
Dobrada aquela curva, não existe
um acabar de vida ! São apenas
os últimos momentos imprecisos,
ao levantar de Outono,
cavados nos escombros da ladeira
até ao precipício ! Indecisos,
meus passos vão negar a vida inteira !
Eu resto nessa pausa que medita
em bruma, a extrema-unção de anoitecer:
Hora mista de sombra e claridade,
a todos interdita
no mistério que vai acontecer,
perante a Eternidade !
Intervalo-penumbra… não é dia…
nem a noite completa e realizada,
em negro vasto e fundo !
Um lírio em agonia,
desfolha a hora roxa sobre um lago
de pranto, até diluir-se
entre o ser e não ser,
que fica no Além distante e vago:
São vésperas de luz a outro Mundo…
que atravessando a noite há-de cumprir-se…
(se eu a puder vencer!)

SINAL DE LUZ

Como um risco a ferir uma ardósia de cinza
o búzio corta a névoa !
Acorda a sonolência
o seu grito de cor na baça esfera
que nos rodeia !
Rasga, em sinal de luz,
um acudir nos longes,
a bússola da bruma
num chamamento à Vida !

ÚLTIMA TARDE

Num tom acobreado em negro e cinza,
ferido a laivos roxos, um pedaço
de céu abriu as suas asas verdes:
Águia de luz a suspender o Mundo
por um clarão de sol !
Ergueu-se contra a noite uma revolta em fogo
de negação à Morte !
Era a última tarde !
Assombravam no monte as oliveiras !
repuxavam a Terra a evadir-se,
num mistério de espanto:
garras negras a contorcer, na dor,
os braços musculosos cor de chumbo
a tocarem o céu
rasgando em sangue o fundo !
Longe, o restolho crepitava… ungia
toda a alma da tarde,
num incensário eterno:
riscava a lume o dorso das colinas…
Sobre o espinhaço em fogo
da Terra, em fúlgida agonia,
restos de sol a arder a noite…
Zuloaga a pintar o fim do mundo!

ASAS MORTAS

Grave incerteza de viver ! Confuso,
o pensamento é águia presa, inerte,
em jaula de granito ! Em vão me acuso
das minhas asas mortas ! Tudo inverte
o espelho da minha alma que reflecte
sentimentos e ideias sobrepostas
aonde o mal e o bem são deformados,
à luz que me compete analisar,
trazer à superfície,
quando as finalidades são opostas
aos princípios errados !
Alonga-se de insónia a noite … desce
a cortina angular de arestas foscas
que tudo abafa, some e amortece…

E AMANHECEU…

E amanheceu; mas a Vida não pára…
Só eu lá fiquei, na distância perdida
dos meus pensamentos,
sem Morte nem Vida…
esquiva e avara
da noite profunda
que em pálpebras roxas, ardentes, secara
a Dor que se afunda
sem prato ou lamentos !

E amanheceu… Ó calma que proveio
da inércia imprecisa, tombada e dormente
que segue o delírio estonteante do Caos !
Pavor ou receio,
essa tão humana defesa imprudente
dos bons e dos maus?
E o tempo caminha, ante o curso marcado
da flor que desperta, viva, ao sol ardente,
e logo se esfolha em silêncio pesado.

Tudo amanheceu…e segue…indiferente…

RETRATO DE ALMA

Meu retrato de alma reflecte no espelho
abstracta incoerência
num sulco vermelho !
No fundo um sorriso
abrindo na sombra seu perfil sem nome
de plano indeciso
sobre inconsciência !
Do jeito ficou-me
essa descoberta:
a cinza no tempo de areia deserta…
e o meu ser distante
que jamais se ajeita
à forma inconstante,
à vaga perfeita !

CAMINHO VERDE

Vesti-me de folhas de Outono, vermelhas,
de mosto e violetas:
Vi oiro e cristais no voar das abelhas
e prata nas asas duma borboleta !
Escrevi poemas
com a tinta preta
das amoras velhas,
sobre verdes temas !
Sobre nuvens baixas que o poente esgarça
descobri arcadas, paços em ruínas…
Continuando o sonho e aumentando a farsa,
debruei imagens…com as pedras finas !
Alheia do Mundo, despi-me de mágoa
e rasguei penumbras…desfiz ansiedade
em seixos perdidos num murmúrio de água…
Sinfonia verde e em tom natural:
personalidade,
em calma saudável,
de paz vegetal !

No caminho verde-esperança da relva,
segui o destino ondulante e provável
dos bichos dormentes do bosque, da selva !
Nas estrelas bravas recortei, a cores,
magia e segredo…
vi sol de vidrilhos sobre o arvoredo
a rir na minha alma em grinalda de flores,
na pausa, em aberto, de imaginação,
sobre um mundo verde,
rolando, indolente, sem prantos ou ruídos
alheios à causa do meu coração !
numa segurança que nunca se perde;
relógio de sol, em tempos de vida…
instantes medidos
a passos no chão…
Abri olhos de água, na margem vestida
de musgo de seda…na minha ilusão !

terça-feira, 12 de julho de 2011

POESIA DE LUZ

Mãos doiradas de sol
abriram rosas
de sangue rubro e quente,
ardendo em sonho:
o tempo as desfolhou!
Depois… vestiu seus roxos véus de Outono
em sombras de violeta
no meu altar maior!
foi acender estrelas na distância
da tarde, que rasgara a lua nova
em poesia de luz!

CHUVA

Bate nos meus olhos a chuva que abrange
a penumbra-luz
que o dia levanta!
A madeira range,
lá dentro, na sala,
tudo se traduz
na palavra santa
que o tempo me fala!
Aquele perfume,
molhado na aragem de prata moída
que a Morte resume
num beijo de Vida
diz tudo… num sonho de canto que reza
instantes suaves
de chuva caindo! Já nada me pesa
de atitudes graves:
franja nos meus olhos aquela poeira
de seda tão leve
que tudo ilumina!
Sons de gotas de água
no meu coração
abrem olhos de Alma na verde clareira
daquela neblina…
como na roseira
os botões de neve!
Toda a minha sombra, aquela sombra… trago-a
de rastos no chão!

BRUXAS

Agoiros negros, flutuante imagem,
vagam no meu constante pesadelo,
suas leves roupagens
confundem-se nos troncos, nas folhagens,
e ante os meus olhos passam, de atropelo,
vagas sinistras… Longe, a lua acende
um lampadário mágico, profundo,
sobre o “requiem” das minhas alegrias:
como lágrima enorme que suspende
o silêncio do mundo!
Amaldiçoada, cumpro, a indefinida
e estranha penitência dos meus dias,
até ao fim da Vida!
E as borboletas negras esvoaçando,
bruxas da minha escuridão eterna,
rompem de encontro à lua, no minguante,
em um voltear constante,
ou procuram reflexos na cisterna
da minha alma… vão sobre mim tombando…
Surgem dos longes num bailado etéreo,
e pousam no brocado
do remorso escarlate:
em símbolos de agoiro e de pecado!
Penitência de assombro e de mistério…
alucinadas, trágicas suicidas
buscam a luz que as mate!
Fantásticas, imensas…
emigrantes da noite, espavoridas,
que roçam no meu corpo de presenças
De horror, desconhecidas!

VELAM NAS SOMBRAS

Velam nas sombras mortas da existência
meus sentidos despertos sem motivo,
cumprindo penitência
da razão porque vivo!
Velam, numa azulada e concebida
penumbra que rodeia o meu cismar
por entre bem e mal de Céu e Terra:
a forma absoluta de ser vida
a reflorir em luz e a desfolhar
na morte que me enterra!
Meus nervos de oiro fulgem sobre temas
na folhagem de vidro da floresta…
pelos falsos teoremas
que uma ilusão empresta!

segunda-feira, 27 de junho de 2011

VISÕES GOYESCAS

Espero a tempestade sobre o monte,
onde uma cruz – a minha cruz – abriu os braços
aos relâmpagos fantásticos, azulados,
a qualquer inclemência que desponte
e que venha abranger todos os lados!
Uma emboscada surge, a cada canto,
pressinto-a na penumbra dos meus passos
apunhalando, em mim, a noite escura!
O meu grito, no mar, afoga-se de espanto,
uiva no temporal e sangra na loucura!
Num bailado enigmático, bravio,
sem respeitos humanos nem divinos,
vou contra tudo e contra todos! Desafio
os deuses, os destinos!
Despi-me de mil véus: cambiantes falsos
que turbavam à luz dos movimentos;
foram cair sobre os meus pés descalços,
num monte de lamentos!

Ateio esta fogueira de inconstâncias,
sonhos mortos, incensos de vaidade
e centelhas de vida:
Espero a tempestade!

No meu cabelo negro, solto ao vento,
gotas de chuva, enormes,
rolam… escorrem mágoas e distância…
Cheira a terra molhada o pensamento;
sabe-me a boca a lume
e o meu olhar vislumbra a Eternidade!

Pesadelos de insónia, inconcebível,
monstruosas imagens desconformes,
neste bailado bárbaro, terrível!...
Entontece-me o fogo e o perfume
das raízes, no Tempo! O lumaréu,
em serpentes de luz, envolvendo-me, arrasta
meu corpo sobre as chamas, em nefasta
destruição que abrange a humanidade:
reproduzindo sombras gigantescas,
eleva até ao céu
a minha cruz… entre visões goyescas…
e a minha cruz se funde em tempestade!

quinta-feira, 16 de junho de 2011

PLANÍCIE AZUL

- Anda sentir o mar!
Faz parte do silêncio!
O meu naufrágio de Alma está sepulto
no meu mistério fundo!
Hoje, em montanhas verdes,
cavo e sinistro, aumenta o som profundo
a rebentar de encontro aos descarnados
rochedos! Amanhã… despindo a bruma,
é uma planície azul:
como um rasgão de céu na terra escura…

BAILADO DE SOMBRAS

Caíram num pretérito infinito
folhas mortas que há pouco deram vida
tão presentes de Outono!
E o vendaval renova-se, medonho!
deixa uma longa estrada interrompida,
quebra o último sono
a espada do seu grito
à minha alma interdita a qualquer sonho!
Sou árvore despida,
corpo de gelo
que se recorta em horizonte morto,
erguendo ao Céu os braços, num apelo,
que se funde no Tempo! Em meu olhar absorto
um bailado de sombras se avoluma…
pisa lembranças… No primeiro plano
ergue um momento à Dor…
que logo apaga e esfuma!
Eterno, desumano,
dramático esplendor!

ROSA VERMELHA

Meu coração não ama nem odeia…
Somente vive o resto que lhe falta
para saber cumprir
outra razão mais alta!
Rosa vermelha, aberta, que me enfeita
A Alma toda e se conserva alheia
a tudo que me cerca de vulgar,
quantas vezes desfeita
na forma de sentir,
quando a quero fechar!

BÚZIO

Vieste na aragem
das asas marinhas
debruando a margem!
Brancas camarinhas
de pranto salgado,
a abrir o caminho
- em verde molhado
de agulhas de pinho –
aonde se enterra,
em campo de mágoa,
meu sonho de terra!
Como quem me chama
num búzio distante
de outro mundo de água
que afogue o meu drama
nesses encobertos
mundos de coral…
e me desencante
a Alma que eu trago
de braços abertos
em cruz, sobre o vago
sobrenatural!

SANGUE EM FLOR

Já fui noutra hora,
a terra florida,
abrindo lá fora
as portas à Vida.
Sem medir poemas
nem trair motivos
quebrando as algemas
de sonhos cativos!
Desfolhando à luz
cravos encarnados
que eram sangue em flor,
todos abraçados
no meu coração…
e, depois, na cruz
que arrastei no mundo,
mudaram a cor
em roxo profundo,
pisados no chão
pela minha dor!

CAÍRAM AS HORAS

Dedadas de sombra, no vidro parado
da água dormente,
quebraram a própria quietude do ar,
liquido e fremente!
Cobriu-se de véus de alargada ilusão
o charco apagado,
perdido no chão!
e logo acordou em milhares de vidas
seu adormecido e frio coração!
Era uma taça de brancas margaridas,
só porque as estrelas vieram brilhar,
por instantes breves no vidro coalhado…
e ficaram na água, a tremer, a bailar,
como diamantes!
Caíram as horas no pego estagnado,
em tempos de luz… e na sombra desperta
um som tão profundo
que círculos de oiro e de prata se abriram,
naquele silêncio desfeito e quebrado,
tentando galgar toda a margem deserta:
até reflectiram visões de visões
de outro mundo!

CREPÚSCULO

Baixam as asas mansas do crepúsculo
na paz dos olivais
Todo o silêncio pousa nos caminhos
em véu cinza…
A tarde ergue uma taça luminosa,
além do fundo azul dos vagos montes,
toda em cristal e oiro,
longe… onde a noite vai abrir violetas!

quinta-feira, 2 de junho de 2011

LABIRINTO

Valem distâncias sobre ideias vagas
que se acumulam neste labirinto,
valem tendências mórbidas que afagas
por tudo que eu não disse… ou que eu não sinto…
Valem sarcasmos, risos, incertezas,
pela amargura de sonhar poesia…
um rosário de lâmpadas acesas
ao santuário da cruz-melancolia!
Valem desejos de infinitas preces
que não foram ouvidas;
neste acabar de tudo me apareces
por muito que não esqueces…
nas coisas que não eram pressentidas!
Um murmúrio de ensejo que não vence
esta apatia incerta
que para além do todo me convence…
A página deserta
que só não vale a pena de viver
sem não realizar…
Um rosário de lágrimas caídas
e de penas sentidas
que me vestem de sombra e de luar…

segunda-feira, 30 de maio de 2011

SEGREDO DE ÁGUA

Eu quero trazer dessa aguada que brilha
na forma da cor
um beijo de sol na pele de oiro liso
que traz em perfume distante uma flor
de sonho que escalda!
E quero sentir o momento preciso
de paz, que desfolha no tempo, perfeita,
essa maravilha
de verde esmeralda
num lago sombrio!
E depois, partir… pela senda desfeita
por entre caminhos cruzados de mágoa,
transida de frio,
num segredo de água!

MÍSTICA

Que me sagrem as asas de Infinito
num voo mais alto, as bodas luminosas
em seu Auto de Sol
e oiro dos crepúsculos!
Que se cumpra a parábola de sonho
e redenção de luz sobre a minha alma,
sobre o meu coração!
Na mística da paz
e febre criadora,
os meus olhos de musgo abram, no espaço,
a realidade, o brilho das estrelas,
nesse querer de Além!
E as minhas mãos, colhendo a flor de seda,
em ternura e perdão,
num gesto largo afastem, para sempre,
a tentação do mundo
e se cruzem eternas no meu peito!

SEM TEMPO…

Rir, porquê?
Abriram as roseiras
e desfolharam na distância que vivi
intensa realidade!
Olhos pisados de lilazes roxos
afundam na penumbra
pálpebras mortas
sem tempo de as fechar!

Cravos a rir de mim
onde a boca mordeu, em sangue, a luz!
Cantar, porquê?
se grita a fonte a música da sede
que não mata
o cântico dos longes…

Abrem magnólias puras no meu peito
em flores tão de cera que adormecem
cobertas de abandono,
beijadas pela noite…

Chorar, porquê?!
- Nem para tanto sobra o tempo de morrer!

ESTILHAÇOS DE SONHO

Cerro os olhos, procuro, em vão, esquecer…
o sentido cruel desta verdade:
Meu inferno de sombras
que me afoga de horror!
Estilhaços de sonho que me ferem,
sangrando ideias mortas
que o pensamento encarna em outros mundos
perdidos para sempre!
Pavor de um acabar envolve tudo
em pesadelo que jamais acorda
o caos, a derrocada onde me afundo!
Cerro os olhos… procuro em vão esquecer…
mas ficam a boiar
no espelho baço e triste da minha alma!

terça-feira, 24 de maio de 2011

NOVAS ERAS

Meus olhos de poeira abrem no espaço
esfíngicas, sonâmbulas quimeras;
a minha sombra enterro a cada passo
e avanço em novas eras!
Perdido na penumbra, o pensamento
por sobre névoa densa abre clareiras;
como o fulvo reflexo das fogueiras,
ateadas pelo vento,
rasga em visões de incêndio o nevoeiro!
e funde-as em delírio na memória
o todo que era dantes:
no limite vulgar da minha história
que nem tento esquecer: tudo se perde
ante a planície verde
dos meus olhos distantes!
Ultrapassando o curso que foi dado
ao meu espaço vital, impaciente,
não me resigno ao círculo marcado:
Vou além do que a vida me consente!

DELÍRIO

Que vou dar-te? Palavras sem motivo
nos instantes dispersos… seixos de água,
movendo, à transparência da corrente,
ideias afundadas em desânimo!
Que vou dar-te? Inquietante germinar
de sonhos imperfeitos
no céu coalhado e fundo,
nuvens sem rumo…
A minha sombra roxa
e a flor do coração, já quase morta,
a desfolhar-se, triste, em tuas mãos!
Que vou dar-te? Neblinas da montanha
rasgadas nas escarpas dos rochedos,
em pasmo, eterno… o meu delírio azul…
um crepúsculo a arder de encontro à noite
e a minha dor cruzando o teu caminho!

VIDA E MORTE

As roseiras tombaram, longamente,
por sobre o muro velho;
e abriram, de repente,
num sorriso vermelho,
sangrando vida em flor,
nesse musgo doirado
que vestia de rendas,
em pedaços, o muro abandonado,
como um sonho de Amor!
Distâncias que nos lembra, quando passa,
a luz da Primavera,
pela divina graça
de alguém que ainda espera
ver ressurgir um dia ignotas lendas
que a Morte adormecera,
na paz do esquecimento:
Numa doce e tranquila comunhão,
sentir este momento
de eterno simbolismo:
Vida e Morte, no tempo, entrelaçadas,
as roseiras vermelhas sobre o abismo
das sombras… abraçadas,
num doce encontro de Alma e Coração!

POEMAS INCERTOS

Os poemas incertos
em tempos perdidos
foram descobertos
pelos meus sentidos!
Abriram as asas,
levaram o sonho
sobre ideias rasas
que ainda suponho
vestir de poesia:
Desencontros de Alma
que, no dia a dia,
benze a verde palma
da Melancolia!

quinta-feira, 19 de maio de 2011

OFERTA DE ALMA

Como olheiras pretas,
nos teus olhos de água,
abriste-me a noite que foram teus dias:
Ramo de violetas,
numa oferta de Alma… A tristeza, pago-a
na moeda falsa doutras alegrias!
sem mostrar surpresa,
num mentir suave
que era luz, apenas,
pois seria grave
comungar na sombra que me aparecia,
num gesto, em beleza,
reflori distância… em cravos vermelhos…
que abriram sorrindo sobre as tuas penas,
como sobre espelhos
de melancolia!

ASSOMBRO

Foi preciso que o assombro me tomasse
e um medo atroz tolhesse, de momento,
esta razão estranha de não ser,
para que eu visse
o abismo onde caíra,
onde caíra exangue o meu delírio:
Num inconsciente turbilhão de formas
de agir, de proceder,
acordes dissonantes de incerteza,
em “De profundis” de alucinação,
A crepitar… a arder!

Depois, veio o silêncio
à superfície lisa
estagnar: era um lago
sem arrepios de aragem,
sobre a cratera extinta dum vulcão!

VELAS

Lá foram as velas, riscando no vidro
brilhante das águas
mensagens de luz:
legendas de espuma
num adeus de mar largo!
Das asas marinhas salgadas no ar
vinha uma presença de Terra partindo,
além, mundo fora!
em vez dos meus olhos
que, apenas, ao longe,
trouxeram das algas
vestígios de mar…

CINZA AO VENTO

E cada dia mais! Enterro as ilusões
que vão passando além
na procissão das almas!
Em cada dia surge um mal maior!
Crucificada a esperança, velo
pela Fé que agoniza ao fim da noite
e apaga o amanhecer!
A terra, abre-me a cova negra e triste
sem o lugar da Cruz!

E, ao longe… há cinza, ao vento…

quarta-feira, 18 de maio de 2011

DE OLHOS RASOS DE ÁGUA

Trouxeste aos meus olhos
a vaga indecisa
que a dúvida empresta
na hora precisa.
E arderam restolhos
na seara colhida
numa despedida
de sonho que resta!
Depois, no pousio
abriram papoilas
como lantejoulas
vermelhas! No rio
de pena que escorre
em tempo de espera,
se alguém nos esquece
jamais acontece
outra primavera
no todo que morre.

E fiquei parada
na curva de mágoa
sem flores, sem nada…
de olhos rasos de água!

OS SEM-ESPERANÇA

Vesti-me de mágoa; da mágoa cinzenta
do clima anormal onde a alma, emigrante
de sonho, descansa!
Que a dor não se inventa:
existe … persiste espontânea, constante…
aumenta e se lança
no subconsciente e arrasta, destrói
algum bem, se o há, que resiste ao naufrágio
das vãs alegrias que restam de nós!
Se a alma ferida ainda nos dói,
é só mau presságio
do Além dessa voz,
que chora na era de tudo que passa
e não se detém
na sombra, sequer, daquela encruzilhada,
que o tempo reparte e a hora estilhaça
de encontro ao sol-posto, outro dia que vem,
onde eu não serei outra vez madrugada!

Vesti-me de mágoa, de cinza e de pó!
e sobre o meu peito
desenha-se a cruz
dos sem-esperança:
tão negra e tão só,
sem nenhuma luz…
sem dor, nem lembrança…

DIAS PARDOS

Esses dias pardos
alargam penumbras
em tempos distantes
no meu coração!
(Perfume de nardos,
ainda deslumbras
a minha ilusão!)
Hoje resta, apenas,
sobre o campo triste,
um ramo de penas
que ainda resiste
às ideias mortas
de todos os dias,
entre a poeira e o tédio
das ervas bravias!
Nas frinchas das portas
geme o vento, implora
que o deixe passar …
e vem, lá de fora,
um mal sem remédio
pedir mais lugar!

UM GRITO NA TREVA

Desfalecendo a noite, um grito avulta:
- desesperado apelo em vaga imensa –
que escorre sobre a terra e que se eleva
em agonia, até ao Infinito,
e a que ninguém responde!
Alonga num mistério a densa treva!
ao seu redor, a noite cala, oculta
a sua indiferença
noutro poder mais alto
que a terra apaga e esconde!
Todo o silêncio acorda em sobressalto,
como cristal desfeito,
repercutindo a mágoa desse grito
que rasga, em chaga aberta, no meu peito!
Tonta, em magia negra, a noite absorta,
espera … e o grito ecoa atroz, aumenta!
Quero acudir, saber qual o motivo,
em dor transfigurado, que desperta
as horas e que tange em aflitivo
espanto e implorava em vão…
mas a terra parece estar deserta;
nem vivalma… não resta um coração!
Dilacerante, implora! Eu, quase morta,
existo nessa causa que atormenta…
Vem das asas do Tempo e dura, corta
a paz da noite calma:
Esse pavor aperta-me em seus braços,
alaga em pranto a alma
e afoga a minha voz em outro mundo!
Fortes raízes prendem os meus passos
ao âmago da terra onde me afundo!

terça-feira, 17 de maio de 2011

ASAS PARTIDAS

Trouxeste-me a ideia
gelada do fim
nas asas partidas:
palavras na areia
de penas caídas,
lembranças de mim
além doutras Vidas!
Motivos dispersos
nas algas castanhas
e verdes, ardentes,
de gotas de sangue
num rasto de Morte…
rimando os meus versos
em estrelas cadentes,
em almas estranhas!

A NOITE ALONGA A SOMBRA DE UMA CRUZ

A noite alonga a sombra duma cruz.
E de rastos caminha
e em treva me sepulta!
Emboscada de sombras se levanta
em meu redor,
aperta-me nos Círculos do Mundo…
Nem o punhal da lua
sobre o meu coração!
nem vento que sufoque esta quietude,
onde se enterra a Vida
sem a graça da Morte!

segunda-feira, 16 de maio de 2011

REZANDO A UMA ESTRELA

Rezando a uma estrela
perdi-me na tarde…
(que o tempo não arde
o meu sonho por ela).
Instantes de seda,
tão leves, rasgados
na lâmina de água
que mal se arrepia
de prata! Poesia
numa labareda
que se tarde esfolha
numa flor de sol
que abriu numa estrela!

PORQUÊ…?

E fico a olhar o mundo de quem passa:
Porquê, meu Deus, só para o que tem penas?
num manto cor de cinza me oferece
a sua dor caindo, em cruz, no espaço
que nos separa ! Ao longo do caminho,
os outros vão seguindo num adeus
de não-querer de alguém que não precisa…
Esse que fica, espera:
um pouco de Alma só, de Coração…
que se resume em cobre negro e triste
que nos humilha e afasta na poeira;
esquivos, nesse orgulho de ser pobre…
logo ausentes no todo que se perde…

FRONTEIRA DE BRUMA

A fronteira de bruma, onde não chego,
fica sempre depois desse limite
que não ultrapassei ! Um desapego
de tudo o que não venço mais transmite,
à minha desistência, uma apatia
enorme de silêncio que me aterra:
Talvez, por indecisa covardia,
me torna a qualquer luta indiferente!
Pasmo das sombras mortas onde caio
em desânimo estéril sobre a terra,
sem o lucro bendito da semente!
É como se um desmaio,
uma inércia imprecisa,
me tolhassem de todo o movimento,
em renúncia total!
Morre-se em vida, assim, sem dar por tal:
Na fronteira de bruma… em sacramento!
Nada chegou a tempo ... Fui morrendo,
Por caminhos dispersos,
Onde a Cruz dos meus versos
Era a única luz resplandecendo!

(Solidão Maior)


Nota: O livro Fronteira de Bruma foi uma edição póstuma, de 1997, da responsabilidade da sua sobrinha Isabel Maria Osório de Sande Taborda Nunes de Oliveira

terça-feira, 10 de maio de 2011

Parabens a você

nesta data florida
Muitas Felicidades
muitos anos de vida

Faz hoje anos Dona Rita
- que dia maravilhoso! –
Não há data mais bonita para a Rita
que este dia luminoso!

Vão todos ao “Festival Dona Rita”
dar parabéns a você
Está pinoca, tão bonita…
e nós sabemos porquê…

Tem ao colo uma boneca
“a Sindy” de fato novo:
num ar levado da breca
dá bons dias ao seu povo.

E oferece chá à gente
com o seu bolo de velas
que assopra logo, imponente,
apagando todas elas!

Viva Viva o Festival
Fica a casa toda cheia
e não falta ao arraial
aquele Dear Rosêia…
Dando ao rabo entra na Festa
dá parabéns a seu modo
e o Dear lambe-se todo
e beija a Rita na testa…!

Viva a Rita
Vivam todos
mais cem anos de alegria
festejando o grande dia!

Se Deus quiser voltaremos
muito em breve, Dona Rita
aos anos do nosso Pipa
que é também um grande dia
de folia que nós temos
Vivam todos – que alegria !
Beijos da Tia Pipita

quarta-feira, 30 de março de 2011

RITA

E lembro-me de ti
naquela tarde
que ainda “moura”
dormias
sem dares que ao teu redor
a vida aparecia
em vésperas de Luz.

Mas nem flores havia no altar
que por ti esperava!
Na minha noite
fui ver se as conseguia
- pois eras para mim
uma estrelinha
que no meu escurecer
resplandecia!
- e fui ver se as conseguia –
um milagre se deu
naquela hora
pois algumas rosas brancas
que eu nem sequer sonhara
abriram para ti
e o altar da capela
vestiu-se de alegria.
Neste momento
guardo a tua imagem de agora
- cabelos soltos ao vento
que te beija a cara lisa
num Bom Dia de Vida –
Não a deixes fugir
segura-a de verdade
não teimes no impossível
- que Deus seja contigo –
e é tua a Mocidade

Primavera de 1978

sexta-feira, 25 de março de 2011

INTERROGAÇÃO

Mãos crispadas rasgaram, num momento,
o que restava ainda na memória
de todo o sonho esparso pelo vento
Em sua crueldade,
ergueram, na penumbra,
fantásticos desenhos de incerteza;
porém, na frouxa claridade,
uma interrogação ficou acesa!

OUTONO

Parece Primavera o Outono em flor…
Tão radioso de vida
tem pena de morrer!
Translúcidas,
as tardes adormecem,
em salva de oiro imensa…

Primavera que morre de amargura
em religioso adeus:
No seu cair de folhas,
há músicas distantes,
vozes de sonhos mortos…

Que extrema-unção de encanto,
no suspirar das coisas…

ARCO-ÍRIS

No Céu em tempestade,
o arco-íris abriu, em curva luminosa,
a sinfonia mística das cores:
um arco triunfal
para a Vida passar da Terra ao Céu,
num acaso de mágica beleza!
Uma aberta de luz na sombra gris,
em que a Terra e o Céu se confundiam:
Visão maravilhosa que eu ganhei,
olhando a imensidade num desejo
de me evadir de todo para Além:
Momento luminoso que perdi…

EXPRESSÃO DA NOITE

Riscando a noite, apavorada e funda,
como quem abre e fecha os olhos vagos,
relâmpagos, ao longe, em tremulina,
acendem no cristal verde dos lagos,
farpas de luz! mistério que se afunda
e apaga, de repente, em noite escura
que pesa de silêncio hostil e baço!
Parece que recurva o dorso da colina,
em galope sinistro, apavorante,
o bruxo claro-escuro! (Despedaço
a sensibilidade, a cada passo,
neste riscar de vidro a diamante…)

Chicotadas de fogo, além, no vácuo,
deixam visões suspensas!
O côncavo do céu abafa e aterra!
Cobre a extensão da noite em forro opaco…
e as árvores, imensas,
dão sombras rastejantes sobre a Terra!

REMOÍNHO

O remoínho fulvo ergueu-se a prumo,
em nuvem desgrenhada
de poeira e fumo:
Alma da terra, em seca desvairada!
Ergueu as mãos crispadas num momento
de ansiosa mágoa,
uivando a sua dor na voz do vento,
em louca sede de água!

Na incandescente«calma»,
que palpitava,
era da terra em fogo um grito de alma…
da terra em fogo, hostil e brava!

Meu espírito-ansiedade é o ruivo torvelinho,
errante na lonjura, eternamente só,
que se levanta à beira do caminho,
em turbilhões de pó!

AO LONGO DO INFINITO

Eram blocos de mármore, suspensos,
as nuvens que ficaram na penumbra
desse morrer de luz, pelos Espaços!
Blocos enormes, fixos:
Na cadência da hora que medita
sobre a planície infinda,
azulada na bruma das distâncias…
E mais funda se cava
a solidão maior,
que irrompe, pela noite,
para afogar a luz
nas dobras do seu manto,
impiedosa, inclemente,
qual a Morte caindo sobre a Vida…

«SOLINA»

Tédio e poeira… À hora da «solina»,
tudo é dormente e mole! resplandece
a luz bravia! O fogo que a domina
e arrasta os nervos frouxos, entontece!

Quando se pisa a ervagem, aparece,
dum mundo oculto vida, que alucina:
em faúlhas crepita… às vezes, tece
no ar como que solta tremulina!

As «cega-regas» são a própria «calma»,
a palpitar em som no descampado,
que vibra, nesse ardor, de corpo e alma:

E pulsa como pulsa um coração…
Arde em febre o arvoredo ensanguentado
e cresce mais amarga a solidão!

AO LUME

O lume fascina,
atrai, encandeia,
deslumbra a visão!
e a casa está cheia
de imaginação!
Perfume a resina
de esteva bravia,
de sobro, de azinho:
Que doce harmonia!
Na hora da ceia
Faz-se a comunhão
do Pão e do Vinho,
à luz da candeia
e ao lume do chão!

O aroma rescende
a plagas distantes;
e doces, serenas,
nesse lumaréu,
as coisas pequenas
parecem gigantes
que chegam ao Céu…

TERRAS MORTAS

Terras mortas, em «calma» adormecidas,
neste reino cinzento de oliveiras,
onde a vida parou: como esquecidas
em silêncio profundo,
lá nos confins do mundo!
À sua volta, turbilhões de poeiras…
e uma cinza diluída
em prata fosca: os olivais sem fim!
lampadários eternos sobre a Vida,
que, a distância, são relvas de jardim!
E recorta-se, abstracta, a sua imagem
sobre o chão afogueado,
sobre a tristeza bárbara e selvagem
do descampado

Inertes de indolência, na quietude
do Tempo, as Terras mortas,
numa eterna apatia de atitude,
mudas, fecham ao Mundo as suas portas!

SÚPLICA

Oh Terra, Terra ardente, abre-me os braços,
Deixa-me sepultar meu coração:
que a minha alma perdida nos espaços
da tua imensidão,
chora de mágoa, anseia torturada,
no uivo da ressequida
voz trágica, monótona, do «Suão»!

Abre-me os braços, sim, apaga, num momento,
a chama que arde em mim, constante e louca…
enterra-me no pó do esquecimento…
sela de morte e de silêncio a minha boca!

ALUCINAÇÃO

É divina e febril esta alucinação!
Eu só, dentro de mim, segura e forte,
no domínio da Terra, em comunhão
da Vida com a Morte!
Meus sentimentos: temporal desfeito
que a natureza funde em seus lamentos
de terra, em coração, dentro do peito…
Meus loucos pensamentos
doiram distâncias mortas nos meus olhos:
e sigo, vencedora, entre os restolhos
da seara colhida, onde se nega
em estranha penitência,
o pão de cada dia, amargo e duro,
aos restos da humildade que se entrega!
Sou a revolta, o orgulho, a impaciência,
que o Passado reflecte no Futuro.

SOBREIRAL

O sobreiral, desfeito, em agonia,
sangrando em carne viva a sua dor,
dum vermelho escaldante, abrasador,
encharca a terra… e alonga o fim do dia…

Dessa beleza trágica irradia
um revoltado assombro de pavor,
condena-nos o bárbaro esplendor
que o nosso olhar deslumbra de magia!

Num mistério insondável, o arvoredo,
tem um espanto selvagem de recusa
que nos repele e afasta quase a medo!

Aterra-nos, hostil, a sua imagem
que em esfíngico segredo nos acusa,
ensanguentando as Almas e a Paisagem!

quarta-feira, 23 de março de 2011

HORA DE SOL

Minha hora de sol! marca mais cedo
o dia começado no horizonte:
banha de sangue, a terra, o arvoredo,
e acorda e resplandece em cada «monte»!
Os «ranchos» duma cor indefinida,
de há muito, vão de encontro à madrugada,
erguendo um cântico arrastado como a vida…
monótono, ondulante!
Como baga vermelha, incendiada,
o sol, nasce mais cedo para nós,
vem rolando na cinza do Levante:
parece vir do chão,
inteiramente a sós;
nada o encobre, além, na linha rasa,
onde se volta o Mundo,
(neste poder, sem fim, duma ilusão…)
e, dentro em pouco, a terra inteira abrasa
em louco ardor profundo!

A ceifa principia ao sol-nascente,
na cadência pesada de horas lentas,
e o cântico persiste, envolve o ambiente
em uma toada moira… Sonolentas,
as horas vão caindo sobre a «calma»
que arrasa os nervos, queima a própria alma…

Ao longe, desgrenhadas «almearas»,
como torres, perdidas, em ruínas,
em campo abandonado…
onde imagens de sonho, peregrinas,
ajoelham ante as sombras do passado!
E os «ranchos» vão surgindo na planície,
vencendo as linhas de oiro das searas…
os seus bustos de heróis, à superfície,
a marcar a presença da vitória,
nessa luta sem tréguas, incendida:
que o pão de cada dia não tem história,
é um direito à Vida!

TARDE MORTA

Nuvens turbam o céu… o sol as doira
no seu adeus à Vida, adeus de luz!
Arde em meu coração uma tristeza moira,
que deixa, na minha alma, a sombra duma cruz…
Choupos ascendem sempre… vão rasgando
os véus da tarde morta;
(a que vaga paragem
meu sonho indefinido me transporta?)
Um soluço abafado anda na aragem;
Vozes falam de Além, de quando em quando…
e, na tristeza imensa, que me invade,
- tristeza vã de Outono –
neste langue abandono,
eu não sou mais que uma saudade,
por mim própria chorando…

REVOLTA

Floriram as glicínias azuladas,
de novo, à minha volta:
E a vida insiste
em acordar lembranças já passadas,
que eu julgara apagadas
e que tornam, frementes de revolta!
Um bruxo encanto existe
no perfume envolvente que desperta,
ante a janela aberta,
tanta lembrança morta!
E a vida impera
na cor da Primavera…

E eu não a quero ouvir gritar à minha porta!

FRÉMITO AO LUAR

Arrepios de sombras inquietas
perturbam a noite, meu vago cismar!

Do vento se ergueu
um leve murmúrio
por entre a folhagem;
e, tal como eu,
perdida no mar
do meu pensamento,
ele estremeceu,
desperto no vento:
o vago murmúrio,
por entre o arvoredo,
quebrando o silêncio
de vidro da lua,
parado no ar!

Passou, como um sopro,
nas asas do vento!
durou um momento:
frémito ao luar…

CASTIGO

Pesa-me a sombra do poente exausto,
vencido pela treva:
Há nesse fogo extinto um bruxulear de fausto,
um apagar de vida que nos leva
à Morte! um vão desânimo profundo,
um desânimo estranho:
pena que vai até ao fim do Mundo,
e é dura e triste como o Santo Lenho!
Pesa-me a angústia do passado morto,
sob a noite profunda que asfixia
o que resta de luz! que desconforto
este acabar… este morrer do dia!

Anoiteceu…anoiteceu dentro de mim…
Pressinto… sei que esse negror eterno
jamais há-de ter fim!
E é este o meu castigo e o meu inferno!

SENHOR

Senhor!
Há qualquer coisa ainda que alumia
meu espírito cativo; que levanta
a minha alma de abismos insondáveis,
onde ficara inerte:
Qualquer coisa que salva a minha ideia
de se apagar na treva!
Levanta-me, Senhor,
da berma do caminho
em que ficou sepulta a minha cruz!
Sou ferida de morte
pela vida negada de ilusão…

Sou o grito selvagem de revolta,
duma eterna fogueira crepitante
sem extrema-unção de paz,
nem bênção de perdão:
escrava de ansiedade
e faminta de sonho!
Há uma força divina que amortece
a queda do meu eu,
nos montes escarpados
da trágica paisagem da existência!
Ah, deixem-me gritar a minha dor,
no desolado campo dos lamentos…
a dor sem fim de não saber cumprir:
tragicamente humana!

PENITÊNCIA

Chora, na sombra torva dos caminhos,
angustiada, minha alma…
Todo o meu corpo em fogo rasgo nos espinhos,
e esta febre, esta febre não acalma!

Sangra na terra, arde no Céu,
crucificada em luz,
a minha inquietação:
e os meus braços em cruz
alongam-se no mar da escuridão…

CRER E NÃO CRER

Crer e não crer! Incertos longes
perturbam meu nocturno pensamento!
(fosse eu grande de Fé, como esses monges,
a rezarem na paz do seu convento!)

Rasos de sombras pecadoras,
meus olhos se levantam para Deus:
tentam rasgar os véus,
que, ao longe, ocultam fúlgidas auroras!

Crer e não crer! anseio louco!
e a vida é sempre igual… é penitência
que, em Morte, há-de tornar-se, a pouco e pouco…
Oh Vida Eterna! Oh Deus! peço clemência!

DÚVIDA

Ideia parada,
na vaga indecisa
dos meus sentimentos!
Ficou-se… não passa…
imagem precisa,
a fogo marcada
Por vãos pensamentos:
Impera, domina,
como ferro em brasa!
ferida profunda
no voo duma asa
que logo se afunda
na melancolia
dum lago de espelho,
que a dor arrepia
num sulco vermelho!

terça-feira, 22 de março de 2011

LABAREDA

Desdobro-me no tempo e na paisagem,
e, além, o meu olhar se perde e se extasia
tanto de mim crepita na estiagem
metálica de sol… da luz do dia!
Pairo em longes… contemplo o meu perfil
que se deslumbra, em fogo, na poeira,
num sonho bárbaro e febril,
onde palpita, em luz, a terra inteira!

Trago em mim o passado mais remoto!
Bronzes de outrora, em cava ressonância,
vibram no meu cismar, confuso, ignoto,
em símbolos esparsos na distância!

E eu, incerta, procuro
o meu princípio e fim: tudo ilusão
que se confunde e enreda…
E o facho luminoso do Futuro
da Terra faz surgir meu coração,
em chama eterna, fulva labareda!

LOUCURA

Vinde a mim, desvairados pensamentos!
Eu quero olhar a Vida
num prisma de loucura! Esta apatia
duma estagnada imagem reflectida
em sombra, afoga… afoga-me… asfixia!
De nada me confortas,
ó calma aterradora
das horas mortas,
dos parados momentos;
não te aproximes nunca…
tua presença inerte
ao nada me converte…
Quero a minha loucura redentora!

segunda-feira, 21 de março de 2011

SONHO

Não me digas que o sonho se acabou:
Nas minhas mãos esguias
grinaldas de ilusões
hão-de florir de novo!
Na minha boca o riso não murchou…
abre-se à luz, em coração de flor,
em beijo eterno de Poesia!
Rasos de sonho,
vagos, meus olhos,
anunciam mistérios insondáveis,
povoam os desertos da paisagem!
Entre dunas de atroz melancolia,
vão abrindo caminhos…

Infindáveis desânimos
afundam-se na cor do esquecimento,
nos silêncios de bruma,
em que a noite se perde…
Minha alma é profetisa do Mistério,
iluminando a treva:
No deserto da Vida,
cria miragens de ilusões, de luz,
oásis de sonho eterno…

ACORDA!

Acorda, adormecido pensamento:
abre-te à luz, ao sol de ideias novas:
sai da minha real profundidade!
Levanta-te e incendeia o Espaço imenso,
não temas as distâncias!
Eu quero ouvir-te, espírito liberto
daquela covardia-sentimento,
em que adormeces!
E afasta dos teus olhos
tudo que é sono,
tudo que em si é apagado e triste…
Acorda para sempre,
afirmador da Vida!

OUTRO EU

Depois de ter chorado amargamente,
de ter sofrido tanto que pensara
já não voltar à Vida… de repente,
olhando a natureza (que revolta!)
da minha alma que a dor ensanguentara,
um outro eu, partiu à rédea solta,
indomável, bravio,
a respirar a luz daquela hora,
numa provocação, num desafio
à terra em flor, à luz do sol,
erguendo à Vida uma canção de aurora,
na voz do rouxinol!

«Crescendo» musical, em jogos de água,
tão límpido de mágoa!
e sempre em despedida…
e cada vez maior e cada vez mais forte…
já para além da Vida…
já para além da Morte!

sexta-feira, 18 de março de 2011

INTERVALO

Esse intervalo opaco, no silêncio
das horas não tocadas,
foi a pausa monótona
do meu entendimento:
Um trágico acidente
em que a dor se calou
na suspensão de angústia não chorada!

DESENCONTRO

Foi tão diferente
do que pensara!
nem a forma ausente
se realizara!
Indeciso enleio,
consciente delírio…
que o mundo está cheio
de roxo martírio!
Sentir de alegria,
por vezes, tão raro
na melancolia
dos meus pensamentos,
em voos de ilusão…
se até sentimentos,
trocados, havia
no meu coração!

Entre Céu e Inferno,
entre Inferno e Céu:
desencontro eterno
do que fora eu!

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

NÃO QUERO...

Não quero triste murmurar de pena
a lamentar meus passos;
Não quero,
nesta pele morena,
tatuagens de fogo dos teus braços!
Não quero
a caridade que me ofende!
antes a lança erguida
contra a Morte e contra a Vida
quando ninguém me entende...

Não quero
a cruz do desespero,
pesando nos meus ombros;
Não quero
meus olhos desvairados nos assombros
de além-realidade.

Antes me atirem pedras que piedade

domingo, 13 de fevereiro de 2011

É TARDE

É tarde… avisto ainda a minha infância,
em fumos, na distância,
num sonho já desfeito…
e era tarde na minha mocidade
quando eu a vi, ao espelho de Ansiedade,
em medalha de sombra no meu peito!
Nada chegou a tempo… fui morrendo,
Por caminhos dispersos,
onde a cruz dos meus versos
era a única luz resplandecendo!

A MINHA NOITE

Só me encontro na terra abrasadora,
ondulante e perdida…nessa poeira,
onde ajoelho a rezar à Vida inteira,
à Vida que enterrei…
Nessa aridez, sem fim, duma existência
monótona e parada,
minha alma há-de ficar crucificada
em eterno desânimo… e indolência…
A minha noite é sombra aterradora;
Meu pensamento, em seu errar incerto,
é fumo que se perde no deserto…

QUIETUDE

Oh, esta baça quietude morta,
este charco viscoso – espelho triste –
onde nenhuma imagem se recorta:
A vida não existe!

Paisagem neutra, lívida, de sal!
monotonia… calmaria
nem o mais leve respirar…

Antes o desespero que porfia
em nos dilacerar;
Antes a fúria do vendaval!

NINGUÉM

Meu corpo funde-se em poeira espessa,
no cilício doirado dos restolhos!
A cor de azinho, fusca, nos meus olhos
tem reflexos de sol! Que me entonteça
esta vaga mourisca, sonolenta,
em desânimo a arder pela estiagem…
que minha alma sedenta
nos pegos mate a febre da paisagem
e se afogue no tédio que a alimenta!
Esqueça, em horas mortas de «solina»,
a sua humana forma, e acorde, além
do crepúsculo em fogo que a domina,
e onde será: Ninguém!

PRESENÇA

Não sinto, não respiro a Primavera
e ela voltou de novo!
Ergueu-se da penumbra
e sacudiu a farta juba de oiro:
doida menina despertando
em sobressalto
e a quem a vida inteira não sorriu!
Faltava-lhe beleza natural,
qualquer coisa exigia uma presença
que não acompanhara a sua imagem…
Mas foi a Primavera
que não realizou essa presença
ou sou eu que jamais hei-de senti-la?

ENCRUZILHADA

Encontrei-me naquela encruzilhada,
em que a Vida e a Morte se confundem
num momento: e ali fiquei à espera!
Indiferente,
um acaso levou-me na poeira
o pensamento inerte
que se erguera do chão, onde se enterra,
parada, a minha ideia,
e onde a Vida corria na confusa
imagem do poente que findara…
A Morte era o principio:
luz eterna, translúcida alvorada!

VALE DE SOMBRAS

Vale de sombras, sonolência,
na quietude das horas:
É tudo em nós ausência,
penumbra,
vida morta que passa pelo Tempo
sem nos deter;
sopro de pó
no turbilhão disperso de viver;
selvagem desespero;
uma angústia parada
de estar só…
que para além de tudo
é nada…
Evocação de esparsos sentimentos,
triste irmã da Loucura…
um gesto que se perde em pensamentos…
um grito que se apaga em noite escura!

LABIRINTO

Eu nunca me encontrei… Num labirinto
de imagens e de assombros fui dispersa
em pensamentos vãos…
Nas minhas mãos
há uma sina diversa
que aumenta a grande dúvida que sinto
no meu cismar!
Ideia movediça e inconstante
como vaga do mar,
onde a paisagem muda a cada instante !
E tudo em mim se perde e transfigura,
cada passo é contrário ao meu desejo:
se o que eu achara bem era loucura,
hoje, tudo que é mal, já nem o vejo!

Desfolham-se na sombra dolorosa
e, em desencontro surgem, de momento,
as ilusões de outrora…
como vaga de pétalas de rosa,
à luz de aurora,
trazidas pelo vento!
Estrelas fúlgidas a abrir,
em relâmpagos de oiro pelo espaço
de um pensamento ao outro: revoada
de sensações ainda por sentir,
miragens que desejo ou despedaço:
desencontros em mim, ao longo da jornada!

TUDO QUE É MORTO…

Quis apagar em parte a minha vida
como se apaga o giz dum quadro negro
para escrever de novo!
A mão incerta… o pensamento
em louco desatino,
nas ideias confusas de momento…
Mas, o que estava dantes,
gravara-se na pedra
que é hoje o que já foi meu coração:
jamais se apagará!
Só o que tento agora
escrever e mentir, no quadro negro,
um sopro desvanece para sempre…

Tudo que é morto não ressurge em nós;
apenas o dorido pensamento
nos procura iludir…

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

O RESTO… FOI ACASO…

Meu coração, no Tempo, há-de ficar
ensanguentando a terra de amargura!
Hão-de vê-lo brilhar na sepultura,
num eterno esplendor,
como um rubi, ao sol, a crepitar
de luz e amor!
Só a terra me quis: e eu compensei-a:
entreguei-lhe de todo o coração
e a minha vida inteira! grão de areia,
a querer reflectir uma epopeia
que se apagou no chão!
O resto… foi acaso… mal ou bem…
sonho… desilusão…

Passei na vida, apenas,
sem quase dar por tal !
Meu sumptuoso manto era de penas…
e trazia no peito uma flor de cristal
que não dei a ninguém:
enorme e singular amor-perfeito,
que logo se quebrou em mil pedaços
e se enterrou na poeira dos meus passos

Vim dum Além desconhecido…
só encontrei a terra à minha espera,
a terra onde arrastei a minha cruz,
que não soube elevar… mal-entendido,
entre sombras e luz,
realidade e quimera!

Fui árida paisagem, sede de água…
sem lágrimas, gritei ao chão, ao arvoredo,
esta angústia sem nome,
este mal que me fere e me consome…
Só a terra entendeu a minha mágoa
E guardou no silêncio o meu segredo!

CANTILENA

Que desperdício de Vida
fui deixando na distância
da minha vida parada…
da minha vida negada
já desde os longes da infância!

De encontro à esquina da Vida
quebrou-se a taça florida
do meu vinho transparente,
ambarino e reluzente,
que se entornou de repente!
Ficou na cinza apagada
a parte que me cabia:
o rescaldo da queimada…
sabor de melancolia!

Que desperdício de Vida,
a divagar, sonolento,
nos voos tristes do vento,
por campos vãos de abandono,
ante a minha alma dorida
que se arrepia de Outono!

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

SILÊNCIO

O silêncio povoou-se de mistério,
de murmúrios de sombras, de lembranças
passadas de amargura! em um império
do mais atroz domínio… não descansas,
oh doida inquietação, de me ferir…
de me rasgar de todo o coração,
cansado de bater, ansioso de partir!
Espectros de mim mesma avultam na distância,
perdidos no jardim da minha infância!
Das rosas que esfolhei, ao longo do caminho,
é tudo noite morta, lívido abandono,
tristeza, vago outono,
poeira que o vento leva em desalinho…

AQUELA SAUDADE

Aquela saudade,
pregada no peito,
doeu-me tão fundo
e pesa-me tanto
que até me parece
o peso do Mundo,
molhado de pranto!
uma flor de penas,
uma flor tão leve
que mal se descreve
num sentir, apenas,
mas tanto magoa…
como quem não esquece
e nunca perdoa!

Numa gota de água,
toda a imensidade
pode reflectir-se…
nessa flor de mágoa
e desilusão,
quanto mal profundo,
em dor, foi abrir-se
no meu coração

IN MEMORIAM

Foste bem meu irmão: nesta ansiedade imensa,
nesta louca miragem de Infinito,
onde o Verbo, em princípio, era ser Vida…
E, contudo, não houve recompensa:
visão interrompida,
na trágica paragem do teu grito,
e dúvida maior na minha crença…

TEMPESTADE

No céu tempestuoso,
uma nuvem de fumo se quedou:
uma nuvem de fumo desgrenhada,
que se deteve, ao longe…
(meu pensamento é fumo que se estampa
no limite sombrio da minha alma:
enervante, parado, alucinante e fixo…)
Porém, a tempestade há-de passar,
e a tarde, sacudindo as nuvens negras,
há-de erguer-se do escuro, luminosa,
transparente e suave;
o fumo há-de esvair-se…

Só eu continuarei na tempestade!

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

DIA INÚTIL

Um dia inútil foi a minha vida,
um dia morto sem razão de ser:
Dia sem sol, penumbra vaga, errante,
confusa, entre manhã de apreensão
e noite sem limites!
Comparsa eu fui, em esse drama de existir,
sem um fim a marcar uma presença,
um motivo… Talvez,
um complemento de outra vida estranha
que não fora acabada de viver:
um destino a cumprir
em outra maior pena!

LEMBRANÇA

Deixa ficar, na sombra do caminho,
a lembrança desfeita do meu ser;
envolve-a em puro linho,
e enterra-a, que ela, em morte, há-de esquecer.
Teu espírito será, nesse momento,
liberto da negrura desta vida:
há-de florir de luz teu pensamento;
serás na terra prometida!
Feliz, hás-de sonhar, ao sol dum novo dia;
e a paz virá bater à tua porta…
Tudo será, contigo, em harmonia,
quando a minha lembrança estiver morta…

INDECISÃO

Aquela indecisa
forma de sentir
atrasa os meus passos…
e tolhe os meus braços,
quando os vou abrir!
E nunca se realiza
o fim que se quer…
A forma de ser,
na minha inconstância,
redobra a distância,
que me desampara!
Não sei o que faço,
nesta indecisão:
Verdade em que minto,
mentira que sinto
e, às vezes, abraço
no meu coração!

VIA SINUOSA

Todos quiseram sempre que lhes desse
o muito que era seu…
sem que eu, em troca, nada recebesse
do pouco que era meu!
Agora, bem mais só que dantes fora,
nesta melancolia dolorosa,
- que de recordações! – Nossa Senhora!
que via sinuosa!
É uma angústia sem nome…
Pois não é só de pão que temos fome!

LUZ E SOMBRA

Quando eu vestia a sombra dos caminhos
de púrpura doirada,
quando eu queimava, a rir, minha alegria,
tinha na boca o sol da madrugada
e a graça de viver!
Era o meu coração tão leve e puro
como se eu acabasse de nascer!

Mas triste e vaga sombra desdobrou-se,
como peça de seda negra e baça:
era a noite… era a noite que chegara…
a que eu jamais em sonhos pressentira,
a que eu nunca esperara…

DESESPERO

Inútil e sombrio desespero:
eis o que resta da perdida imagem
da batalha da Vida… Já não quero
erguer, de novo, a lança, na miragem
de triunfos e glórias…nada espero…

O manto, esfarrapado, as ilusões perdidas
(inutilmente as ergo, as recomponho)
uma a uma se foram dispersando…
como pombas desertam! Já vencidas,
as minhas mãos cansadas vão lançando
ao revoltoso mar da minha inquietação
o que resta de sonho,
e coração
ainda a crepitar
para afogar…