quarta-feira, 30 de março de 2011

RITA

E lembro-me de ti
naquela tarde
que ainda “moura”
dormias
sem dares que ao teu redor
a vida aparecia
em vésperas de Luz.

Mas nem flores havia no altar
que por ti esperava!
Na minha noite
fui ver se as conseguia
- pois eras para mim
uma estrelinha
que no meu escurecer
resplandecia!
- e fui ver se as conseguia –
um milagre se deu
naquela hora
pois algumas rosas brancas
que eu nem sequer sonhara
abriram para ti
e o altar da capela
vestiu-se de alegria.
Neste momento
guardo a tua imagem de agora
- cabelos soltos ao vento
que te beija a cara lisa
num Bom Dia de Vida –
Não a deixes fugir
segura-a de verdade
não teimes no impossível
- que Deus seja contigo –
e é tua a Mocidade

Primavera de 1978

sexta-feira, 25 de março de 2011

INTERROGAÇÃO

Mãos crispadas rasgaram, num momento,
o que restava ainda na memória
de todo o sonho esparso pelo vento
Em sua crueldade,
ergueram, na penumbra,
fantásticos desenhos de incerteza;
porém, na frouxa claridade,
uma interrogação ficou acesa!

OUTONO

Parece Primavera o Outono em flor…
Tão radioso de vida
tem pena de morrer!
Translúcidas,
as tardes adormecem,
em salva de oiro imensa…

Primavera que morre de amargura
em religioso adeus:
No seu cair de folhas,
há músicas distantes,
vozes de sonhos mortos…

Que extrema-unção de encanto,
no suspirar das coisas…

ARCO-ÍRIS

No Céu em tempestade,
o arco-íris abriu, em curva luminosa,
a sinfonia mística das cores:
um arco triunfal
para a Vida passar da Terra ao Céu,
num acaso de mágica beleza!
Uma aberta de luz na sombra gris,
em que a Terra e o Céu se confundiam:
Visão maravilhosa que eu ganhei,
olhando a imensidade num desejo
de me evadir de todo para Além:
Momento luminoso que perdi…

EXPRESSÃO DA NOITE

Riscando a noite, apavorada e funda,
como quem abre e fecha os olhos vagos,
relâmpagos, ao longe, em tremulina,
acendem no cristal verde dos lagos,
farpas de luz! mistério que se afunda
e apaga, de repente, em noite escura
que pesa de silêncio hostil e baço!
Parece que recurva o dorso da colina,
em galope sinistro, apavorante,
o bruxo claro-escuro! (Despedaço
a sensibilidade, a cada passo,
neste riscar de vidro a diamante…)

Chicotadas de fogo, além, no vácuo,
deixam visões suspensas!
O côncavo do céu abafa e aterra!
Cobre a extensão da noite em forro opaco…
e as árvores, imensas,
dão sombras rastejantes sobre a Terra!

REMOÍNHO

O remoínho fulvo ergueu-se a prumo,
em nuvem desgrenhada
de poeira e fumo:
Alma da terra, em seca desvairada!
Ergueu as mãos crispadas num momento
de ansiosa mágoa,
uivando a sua dor na voz do vento,
em louca sede de água!

Na incandescente«calma»,
que palpitava,
era da terra em fogo um grito de alma…
da terra em fogo, hostil e brava!

Meu espírito-ansiedade é o ruivo torvelinho,
errante na lonjura, eternamente só,
que se levanta à beira do caminho,
em turbilhões de pó!

AO LONGO DO INFINITO

Eram blocos de mármore, suspensos,
as nuvens que ficaram na penumbra
desse morrer de luz, pelos Espaços!
Blocos enormes, fixos:
Na cadência da hora que medita
sobre a planície infinda,
azulada na bruma das distâncias…
E mais funda se cava
a solidão maior,
que irrompe, pela noite,
para afogar a luz
nas dobras do seu manto,
impiedosa, inclemente,
qual a Morte caindo sobre a Vida…

«SOLINA»

Tédio e poeira… À hora da «solina»,
tudo é dormente e mole! resplandece
a luz bravia! O fogo que a domina
e arrasta os nervos frouxos, entontece!

Quando se pisa a ervagem, aparece,
dum mundo oculto vida, que alucina:
em faúlhas crepita… às vezes, tece
no ar como que solta tremulina!

As «cega-regas» são a própria «calma»,
a palpitar em som no descampado,
que vibra, nesse ardor, de corpo e alma:

E pulsa como pulsa um coração…
Arde em febre o arvoredo ensanguentado
e cresce mais amarga a solidão!

AO LUME

O lume fascina,
atrai, encandeia,
deslumbra a visão!
e a casa está cheia
de imaginação!
Perfume a resina
de esteva bravia,
de sobro, de azinho:
Que doce harmonia!
Na hora da ceia
Faz-se a comunhão
do Pão e do Vinho,
à luz da candeia
e ao lume do chão!

O aroma rescende
a plagas distantes;
e doces, serenas,
nesse lumaréu,
as coisas pequenas
parecem gigantes
que chegam ao Céu…

TERRAS MORTAS

Terras mortas, em «calma» adormecidas,
neste reino cinzento de oliveiras,
onde a vida parou: como esquecidas
em silêncio profundo,
lá nos confins do mundo!
À sua volta, turbilhões de poeiras…
e uma cinza diluída
em prata fosca: os olivais sem fim!
lampadários eternos sobre a Vida,
que, a distância, são relvas de jardim!
E recorta-se, abstracta, a sua imagem
sobre o chão afogueado,
sobre a tristeza bárbara e selvagem
do descampado

Inertes de indolência, na quietude
do Tempo, as Terras mortas,
numa eterna apatia de atitude,
mudas, fecham ao Mundo as suas portas!

SÚPLICA

Oh Terra, Terra ardente, abre-me os braços,
Deixa-me sepultar meu coração:
que a minha alma perdida nos espaços
da tua imensidão,
chora de mágoa, anseia torturada,
no uivo da ressequida
voz trágica, monótona, do «Suão»!

Abre-me os braços, sim, apaga, num momento,
a chama que arde em mim, constante e louca…
enterra-me no pó do esquecimento…
sela de morte e de silêncio a minha boca!

ALUCINAÇÃO

É divina e febril esta alucinação!
Eu só, dentro de mim, segura e forte,
no domínio da Terra, em comunhão
da Vida com a Morte!
Meus sentimentos: temporal desfeito
que a natureza funde em seus lamentos
de terra, em coração, dentro do peito…
Meus loucos pensamentos
doiram distâncias mortas nos meus olhos:
e sigo, vencedora, entre os restolhos
da seara colhida, onde se nega
em estranha penitência,
o pão de cada dia, amargo e duro,
aos restos da humildade que se entrega!
Sou a revolta, o orgulho, a impaciência,
que o Passado reflecte no Futuro.

SOBREIRAL

O sobreiral, desfeito, em agonia,
sangrando em carne viva a sua dor,
dum vermelho escaldante, abrasador,
encharca a terra… e alonga o fim do dia…

Dessa beleza trágica irradia
um revoltado assombro de pavor,
condena-nos o bárbaro esplendor
que o nosso olhar deslumbra de magia!

Num mistério insondável, o arvoredo,
tem um espanto selvagem de recusa
que nos repele e afasta quase a medo!

Aterra-nos, hostil, a sua imagem
que em esfíngico segredo nos acusa,
ensanguentando as Almas e a Paisagem!

quarta-feira, 23 de março de 2011

HORA DE SOL

Minha hora de sol! marca mais cedo
o dia começado no horizonte:
banha de sangue, a terra, o arvoredo,
e acorda e resplandece em cada «monte»!
Os «ranchos» duma cor indefinida,
de há muito, vão de encontro à madrugada,
erguendo um cântico arrastado como a vida…
monótono, ondulante!
Como baga vermelha, incendiada,
o sol, nasce mais cedo para nós,
vem rolando na cinza do Levante:
parece vir do chão,
inteiramente a sós;
nada o encobre, além, na linha rasa,
onde se volta o Mundo,
(neste poder, sem fim, duma ilusão…)
e, dentro em pouco, a terra inteira abrasa
em louco ardor profundo!

A ceifa principia ao sol-nascente,
na cadência pesada de horas lentas,
e o cântico persiste, envolve o ambiente
em uma toada moira… Sonolentas,
as horas vão caindo sobre a «calma»
que arrasa os nervos, queima a própria alma…

Ao longe, desgrenhadas «almearas»,
como torres, perdidas, em ruínas,
em campo abandonado…
onde imagens de sonho, peregrinas,
ajoelham ante as sombras do passado!
E os «ranchos» vão surgindo na planície,
vencendo as linhas de oiro das searas…
os seus bustos de heróis, à superfície,
a marcar a presença da vitória,
nessa luta sem tréguas, incendida:
que o pão de cada dia não tem história,
é um direito à Vida!

TARDE MORTA

Nuvens turbam o céu… o sol as doira
no seu adeus à Vida, adeus de luz!
Arde em meu coração uma tristeza moira,
que deixa, na minha alma, a sombra duma cruz…
Choupos ascendem sempre… vão rasgando
os véus da tarde morta;
(a que vaga paragem
meu sonho indefinido me transporta?)
Um soluço abafado anda na aragem;
Vozes falam de Além, de quando em quando…
e, na tristeza imensa, que me invade,
- tristeza vã de Outono –
neste langue abandono,
eu não sou mais que uma saudade,
por mim própria chorando…

REVOLTA

Floriram as glicínias azuladas,
de novo, à minha volta:
E a vida insiste
em acordar lembranças já passadas,
que eu julgara apagadas
e que tornam, frementes de revolta!
Um bruxo encanto existe
no perfume envolvente que desperta,
ante a janela aberta,
tanta lembrança morta!
E a vida impera
na cor da Primavera…

E eu não a quero ouvir gritar à minha porta!

FRÉMITO AO LUAR

Arrepios de sombras inquietas
perturbam a noite, meu vago cismar!

Do vento se ergueu
um leve murmúrio
por entre a folhagem;
e, tal como eu,
perdida no mar
do meu pensamento,
ele estremeceu,
desperto no vento:
o vago murmúrio,
por entre o arvoredo,
quebrando o silêncio
de vidro da lua,
parado no ar!

Passou, como um sopro,
nas asas do vento!
durou um momento:
frémito ao luar…

CASTIGO

Pesa-me a sombra do poente exausto,
vencido pela treva:
Há nesse fogo extinto um bruxulear de fausto,
um apagar de vida que nos leva
à Morte! um vão desânimo profundo,
um desânimo estranho:
pena que vai até ao fim do Mundo,
e é dura e triste como o Santo Lenho!
Pesa-me a angústia do passado morto,
sob a noite profunda que asfixia
o que resta de luz! que desconforto
este acabar… este morrer do dia!

Anoiteceu…anoiteceu dentro de mim…
Pressinto… sei que esse negror eterno
jamais há-de ter fim!
E é este o meu castigo e o meu inferno!

SENHOR

Senhor!
Há qualquer coisa ainda que alumia
meu espírito cativo; que levanta
a minha alma de abismos insondáveis,
onde ficara inerte:
Qualquer coisa que salva a minha ideia
de se apagar na treva!
Levanta-me, Senhor,
da berma do caminho
em que ficou sepulta a minha cruz!
Sou ferida de morte
pela vida negada de ilusão…

Sou o grito selvagem de revolta,
duma eterna fogueira crepitante
sem extrema-unção de paz,
nem bênção de perdão:
escrava de ansiedade
e faminta de sonho!
Há uma força divina que amortece
a queda do meu eu,
nos montes escarpados
da trágica paisagem da existência!
Ah, deixem-me gritar a minha dor,
no desolado campo dos lamentos…
a dor sem fim de não saber cumprir:
tragicamente humana!

PENITÊNCIA

Chora, na sombra torva dos caminhos,
angustiada, minha alma…
Todo o meu corpo em fogo rasgo nos espinhos,
e esta febre, esta febre não acalma!

Sangra na terra, arde no Céu,
crucificada em luz,
a minha inquietação:
e os meus braços em cruz
alongam-se no mar da escuridão…

CRER E NÃO CRER

Crer e não crer! Incertos longes
perturbam meu nocturno pensamento!
(fosse eu grande de Fé, como esses monges,
a rezarem na paz do seu convento!)

Rasos de sombras pecadoras,
meus olhos se levantam para Deus:
tentam rasgar os véus,
que, ao longe, ocultam fúlgidas auroras!

Crer e não crer! anseio louco!
e a vida é sempre igual… é penitência
que, em Morte, há-de tornar-se, a pouco e pouco…
Oh Vida Eterna! Oh Deus! peço clemência!

DÚVIDA

Ideia parada,
na vaga indecisa
dos meus sentimentos!
Ficou-se… não passa…
imagem precisa,
a fogo marcada
Por vãos pensamentos:
Impera, domina,
como ferro em brasa!
ferida profunda
no voo duma asa
que logo se afunda
na melancolia
dum lago de espelho,
que a dor arrepia
num sulco vermelho!

terça-feira, 22 de março de 2011

LABAREDA

Desdobro-me no tempo e na paisagem,
e, além, o meu olhar se perde e se extasia
tanto de mim crepita na estiagem
metálica de sol… da luz do dia!
Pairo em longes… contemplo o meu perfil
que se deslumbra, em fogo, na poeira,
num sonho bárbaro e febril,
onde palpita, em luz, a terra inteira!

Trago em mim o passado mais remoto!
Bronzes de outrora, em cava ressonância,
vibram no meu cismar, confuso, ignoto,
em símbolos esparsos na distância!

E eu, incerta, procuro
o meu princípio e fim: tudo ilusão
que se confunde e enreda…
E o facho luminoso do Futuro
da Terra faz surgir meu coração,
em chama eterna, fulva labareda!

LOUCURA

Vinde a mim, desvairados pensamentos!
Eu quero olhar a Vida
num prisma de loucura! Esta apatia
duma estagnada imagem reflectida
em sombra, afoga… afoga-me… asfixia!
De nada me confortas,
ó calma aterradora
das horas mortas,
dos parados momentos;
não te aproximes nunca…
tua presença inerte
ao nada me converte…
Quero a minha loucura redentora!

segunda-feira, 21 de março de 2011

SONHO

Não me digas que o sonho se acabou:
Nas minhas mãos esguias
grinaldas de ilusões
hão-de florir de novo!
Na minha boca o riso não murchou…
abre-se à luz, em coração de flor,
em beijo eterno de Poesia!
Rasos de sonho,
vagos, meus olhos,
anunciam mistérios insondáveis,
povoam os desertos da paisagem!
Entre dunas de atroz melancolia,
vão abrindo caminhos…

Infindáveis desânimos
afundam-se na cor do esquecimento,
nos silêncios de bruma,
em que a noite se perde…
Minha alma é profetisa do Mistério,
iluminando a treva:
No deserto da Vida,
cria miragens de ilusões, de luz,
oásis de sonho eterno…

ACORDA!

Acorda, adormecido pensamento:
abre-te à luz, ao sol de ideias novas:
sai da minha real profundidade!
Levanta-te e incendeia o Espaço imenso,
não temas as distâncias!
Eu quero ouvir-te, espírito liberto
daquela covardia-sentimento,
em que adormeces!
E afasta dos teus olhos
tudo que é sono,
tudo que em si é apagado e triste…
Acorda para sempre,
afirmador da Vida!

OUTRO EU

Depois de ter chorado amargamente,
de ter sofrido tanto que pensara
já não voltar à Vida… de repente,
olhando a natureza (que revolta!)
da minha alma que a dor ensanguentara,
um outro eu, partiu à rédea solta,
indomável, bravio,
a respirar a luz daquela hora,
numa provocação, num desafio
à terra em flor, à luz do sol,
erguendo à Vida uma canção de aurora,
na voz do rouxinol!

«Crescendo» musical, em jogos de água,
tão límpido de mágoa!
e sempre em despedida…
e cada vez maior e cada vez mais forte…
já para além da Vida…
já para além da Morte!

sexta-feira, 18 de março de 2011

INTERVALO

Esse intervalo opaco, no silêncio
das horas não tocadas,
foi a pausa monótona
do meu entendimento:
Um trágico acidente
em que a dor se calou
na suspensão de angústia não chorada!

DESENCONTRO

Foi tão diferente
do que pensara!
nem a forma ausente
se realizara!
Indeciso enleio,
consciente delírio…
que o mundo está cheio
de roxo martírio!
Sentir de alegria,
por vezes, tão raro
na melancolia
dos meus pensamentos,
em voos de ilusão…
se até sentimentos,
trocados, havia
no meu coração!

Entre Céu e Inferno,
entre Inferno e Céu:
desencontro eterno
do que fora eu!