quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

LÁGRIMA

Em hora deserta,
de angústia suspensa,
uma gota de água
que tudo condensa,
quedou-se na bruma…
Era luz incerta
brilhando na mágoa
que logo se esfuma…
A lágrima veio
dizer-me o segredo
que o riso encobria…
num vago receio
passou, quase a medo,
a Dor na Alegria!

A névoa que passa
na manhã radiosa,
calma e luminosa
dum Abril em flor,
é divina graça
do primeiro amor…

RESSURREIÇÃO

      Todo o sangue subiu aos ramos nas olaias,
      Todo o meu sangue me floriu no coração.

                    ALBERTO OSÓRIO DE CASTRO

Depois da chuva, a tarde sonolenta
abrira numa curva luminosa!
e, na seda molhada e pardacenta
da terra, havia sombras cor de rosa
que as olaias manchavam com seu manto,
todo a diluir-se pela chuva mole…
e havia em cada ser, um ar de espanto,
e, em cada gota de água,
novo raio de sol!

Doce tristeza
de coisas já delidas na distância
vogava no ar… vogava em mim, acesa…
e a poeira astral dos tempos idos,
a poeira de oiro da minha infância,
solta a um vento de Outrora,
embriagava de sonho os meus sentidos…
e era, outra vez, aurora!

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

LONGE DE MIM…

Minha alma é louca labareda,
que ora volteia, ora se alonga, desmedida,
como a querer ultrapassar a Vida;
e ora de espanto, lívida, se queda!

Arde em longínquo descampado,
batida pelo vento,
e a sua luz é escuro pensamento
alucinado!

Arde em fatal deserto,
onde tudo parece vago, incerto…
Nem sol, nem lua;
(o vento, aos brados, a crescer mais forte…)
e a crueldade, indiferente e nua,
da Vida, a reflectir sombras da Morte…

TÉDIO

O tédio que abrange
as horas paradas
da minha existência,
sem bem e sem mal,
como um sino tange,
de noite e de dia,
secas badaladas
de monotonia,
numa persistência
sobrenatural:
sepulta em poeira
e desolação
uma vida inteira!

No silêncio ecoa
e estagna no ar…
Aumenta, resiste…
e tudo atordoa…
E apenas existe
no vago pulsar
do meu coração!

INDIFERENÇA

O que ontem defendera heroicamente,
na minha exaltação incendiada,
hoje fica a dormir no esquecimento
do meu sono profundo!
Ideia morta
que eu não identifico ou reconheço:
cansaço de existir e de lutar…
Indiferença!

TREVA

Há símbolos de agoiro na penumbra
da sombra que se esvai na minha ideia!
Já nada me deslumbra,
e tudo apaga mão febril na areia!
No meu cismar de absorto pasmo,
na escuridade
do meu ser miserando,
ecos sinistros uivam, num sarcasmo,
riem de mim! e tudo vai passando,
nesta inclemência, nesta tempestade!
Mãos esguias do vento abrem-me as portas…
mil vidas que eram minhas dispersaram…
todas as árvores secaram…
que intérmino esvoaçar de folhas mortas!
Quem sou? quem sou? Minha alma em vão procura
o que lá vai! que noite de amargura
me envolve em treva…
Tudo, na treva absurda, o vento leva!

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

SORTE

Tenho a cruz dos meus braços, cuja sombra
vou pisando na estrada onde caminho.
Tenho a luz dos meus olhos, que me assombra,
e o mesmo pão da vida, o mesmo vinho,
que todos mereceram, quando a Sorte
brilhou na sua estrela…
Mas só não tenho a morte
quando quisera tê-la…

PAISAGEM DE ALMA

Além dos limites que a Vida marcara,
uma nuvem de pasmo se ergueu
na bruma longínqua:
contornos incertos… imagens de fumo…
Em dissonâncias vagas de espanto,
num fundo sombrio de som musical:
- «crescendo» de anseios e longos murmúrios –
lateja no espaço riscado de lumes…
Olho esta paisagem de Alma em tempestade,
assombrada de negros presságios:
infindável planície, árida, selvagem,
estagnada de cismas e vozes dormentes
que vêm dos longes, em vagos mistérios,
jamais entendidos,
jamais descobertos,
na minha inconstância;
alheios de mim…
Povoada de sombras, confusas, errantes,
minha alma anoitece…
E é tarde, bem tarde, já tarde, na Vida!

ANSEIO

Aquele anseio de olhar a distância
no fundo das coisas, magoa!
A minha inconstância
em sonhos divaga… à toa…
no pó do caminho, no fundo do espaço
da minha quietude estagnada…
Que louca ansiedade em tudo o que faço:
resumo do nada!
Tendências de sombra de névoa cinzenta
que, logo, descora
na paz sonolenta,
que, em mim, se demora…

IMAGENS

No álbum esfumado da Lembrança
olhei várias imagens do que fui!
e vi, nos meus retratos de criança,
uma desconhecida
que, em fumos de outra vida
já morta, se dilui!
Mais tarde eu encontrei, no meu olhar distante,
a mesma inquietação que hoje persiste,
a mesma sombra, o mesmo sonho errante,
desta minha alma triste.
E quis tornar a mim nessas imagens,
tornar ainda ao tempo que passou,
tão lúcido, tão cheio de miragens…

Nessas imagens belas,
dum bruxulear de estrelas,
nada havia de mim… daquela que hoje sou!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O MEU CASTELO

Ergui, num fundo de melancolia,
o meu castelo feito de incerteza
e desespero! Além, na cor sombria
do meu anoitecer,
recorta-se, em imagem de tristeza.
A desoras, minha alma,
cansada de sofrer,
encerrou-se na escura fortaleza:
fechou as portas de ansiedade
ao mundo inteiro, à Vida,
e ali ficou, em contrição dorida.
à procura de calma…
dumas tréguas de luz para morrer!

PRESENÇA DE OUTONO

Aquela Infinita
presença de Outono
que há muito me espera,
ainda me grita,
em louco abandono,
quebrando-me o sono
que foi primavera!
A sombra desmente
a luz que me engana
na hora presente
de fraqueza humana…
mas quem a não sente
destrói a visão
e tudo se altera:

Há só coração
Que não desespera!

terça-feira, 30 de novembro de 2010

VOLVE AO PASSADO!

Volve ao Passado, incerto desespero
desse tempo perdido que se esvai:
Sonâmbula distância…
De pálpebras cerradas, a Lembrança,
nem ao menos se cansa
de olhar, além da sombra, o que lá vai!

Volve ao Passado,
abrindo o livro de Horas
em oração de pétalas desfeitas,
num sopro de poeira, no caminho…
e, na estrada deserta,
apunhalando a tua consciência,
completa a decadência
da tua sombra incerta!

Sem covardia,
encara e vê o que lançaste ao vento!
quanto tempo perdido…
quanta luz apagada num momento!

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

CORAÇÃO

Perdeu-se pelos ermos da lonjura
meu coração:
de mágoa ensanguentando a noite escura,
trespassando-a da sua inquietação!
Errou, errou, a soluçar no vento,
abrindo-se em relâmpagos no espaço;
rugiu na tempestade… e, num areal sedento,
ardeu… até volver-se em fumo torvo e baço!

Hoje é lembrança vã, é pó, esquecimento…
mas, dentro do meu peito, a sua ausência
sangra, de noite e dia,
brilhando com sinistra refulgência…
(faz-me cruel e doce companhia!)

Humana e rubra flor,
desfolha-se de dor…

RONDA DE SAUDADE

Folhas mortas da Árvore da Vida,
em seu desânimo profundo,
vão caindo… caindo sem cessar
nas áridas planícies da minha alma:
imagens silenciosas de aparências
vãs, tatuadas de sonho,
de ansiedade latente sobre imagens
dispersas na penumbra… Erguem-se mágicos
desenhos de incerteza, em desalinho
de formas… Crescem
fantasmas pela densa escuridão…
Folhas secas da Árvore da Vida
caem no meu nocturno pensamento,
em ronda de saudade…
Se a morte é uma outra vida,
reflexo desta, eu quisera
não ver nunca estio e inverno
mas só luz de primavera.

Flores de Coral
ALBERTO OSÓRIO DE CASTRO

SOLIDÃO MAIOR

Terceiro livro de poesia de Maria de Santa Isabel.

Coimbra Editora, Limitada
1957


Tenho da terra a lúcida visão
dos horizontes largos, em redor,
e este orgulho maioral
da vasta solidão,
que é solidão maior!

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

SACRO MONTE

Dum jardim, todo em flor, da Alhambra enfeitiçada,
contemplo o Sacro Monte…
e, a minha alma, na alma de Granada,
nesta hora de penumbra,
é uma chama a crescer, a palpitar de Vida,
a doirar o horizonte:
borboleta a queimar-se, entontecida,
no próprio sonho alado,
em que volteia, em que de espanto se deslumbra…
Um outro eu, distante, alheio e vago,
acorda, esparso em tudo,
na tarde que é um afago
de sombras de veludo,
de cinzas do Passado!

Oh Granada, que os ventos do Levante
abrasam de paixão… Oh incendida
miragem delirante,
no deserto sem fim da minha vida:
venho de longe… andei como a penar,
de ermo em ermo, na incerta caravana…
nem sei o que te conte
de mim, desta minha alma de cigana,
que volve, de saudosa, ao Sacro Monte,
a chorar, a sangrar!

«PASSEIO DOS CIPRESTES»

(Granada)

«Passeio dos Ciprestes…» A Tristeza
vestiu-me de sombria soledade,
ungiu-me de inefável suavidade,
de estranha comoção, doce pureza!

Insinuou-se em mim, com a levesa
duma penumbra sobre a claridade…
era um sentir, a medo, uma saudade,
um penar da minha alma portuguesa!

Murmúrio de água – toada de amargura –
vinha chorar em mim sua agonia:
era uma voz, que se perdia, escura…

«Passeio dos Ciprestes…» Nostalgia
do Céu… lá dessas terras da Ventura…
Que sonhos, no expirar daquele dia!

SEVILHA

Eras tão minha sem te conhecer,
Sevilha ardente: como se te vira,
no meu desejo imenso aparecer,
em bela flor de sol estremecer,
num surpreendente céu, cor de safira!

Em tuas mãos, o leque de mil cores:
cravos, bailados, toiros, «alegrias…»,
e, sobre o coração, altos fulgores,
incêndios desvairados de esplendores,
jóias de Virgens, loucas pedrarias!

Tuas músicas vibram, luminosas,
em lantejoilas de oiro, palpitantes,
em carne rubra, cálida, de rosas…
mas, choram sempre, em notas dolorosas,
o «cante jondo» e a alma de Cervantes…

Debruças-te, convulsa de paixão,
sobre a arena, onde tudo é sonho e Morte!
Pelo «traje de luces» da Ilusão,
arrancas do teu peito o coração:
é para quem te consagrou a «sorte…»

Oh maga terra em fogo: a tua vida
é feita dum sentido deslumbrante,
de inquieto crepitar de chama erguida,
de essência de jasmim, enlouquecida,
de ruivo sonho que delira, estuante!

Envolve-me na luz, que se incendeia
de amor, em tua graça de morena:
Ah, deixa-me perder na maré-cheia
dessa alegria que tão alto anseia,
Oh Sevilha da Virgem Macarena!

«BOLERO»

Na tarde, freme a cor de mil centelhas
do sol incandescente;
há uma alegria feita de vermelhas
exaltações dum mar aceso de rumores…
(Nem sei o que a alma sente!)
Perturbadoramente,
prossegue do «bolero» o vivo lume,
em surdas notas, que se exalam em perfume…
É o instante supremo da «faena»!
e, num bailado bárbaro, terrível,
Ele – o grande toureiro – está na arena,
ultrapassando o Inatingível!
E do «bolero» a música distante
desfolha flores
sobre o bailado, de desenho alucinante,
do toureiro que a fera já domina!
E, negro, é um bronze o toiro…
O pasmo nos fascina!
A multidão aplaude, ruge e grita;
e o «bolero» crepita,
em crespas notas de oiro…

Vermelho e oiro-sol! Ouvem-se bravos,
incendiados, da cor de ardentes cravos,
e da muleta, sobre a espada fria…
E do «bolero» a onda de harmonia
(longínqua e perto, esmorecida e forte)
diz todo o sonho da Andaluzia,
sonho de Vida e Morte!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

AS LÁGRIMAS DO ÁRABE

Ao Roberto

Quando o árabe entrou na Catedral,
a par de si, o Tempo ajoelhou,
e doce auréola sobrenatural
a sua fronte deslumbrou!
Retrocedendo séculos distantes,
viu a Mesquita aberta, em horas calmas,
sem pórticos de sombra, - como dantes
era a casa de Deus, à luz das almas!
Aquela arcada imensa, perspectiva
dum cenário imortal de tempos idos,
ressurgia, na forma primitiva,
como que alucinava os seus sentidos!
A sua veste, na penumbra,
mìsticamente branca se quedara…
e eis que toda a sua alma se deslumbra
Ante a visão do Tempo que passara!
E os seus olhos arrasam-se, distantes,
de lágrimas e luz de áureos instantes!

E, nesse dia, a Catedral recebe
meditações e preces diferentes:
Para Jesus, no apelo dos seus crentes…
E para Alláh, no rito de Mogreb!

Córdova, Outono de 1950

JOSÉ ANTÓNIO

Ao Pedro

No Escurial, descansa, em pedra fria,
José António, em paz adormecido…
Túmulo simples, tão desguarnecido
como era a blusa azul que Ele vestia…

Uma palma de bronze, - alegoria,
a evocar o alto nome estremecido:
preito de nobilíssimo sentido,
fulge de Glória, de íntima harmonia!

Seu coração, na sombra do mosteiro,
abrange a Pátria imensa, num luzeiro
que é todo o ardor da sua fé tamanha!

E a sua alma, a florir, a abrir, contente,
por esse Espaço… é uma oração ardente,
pedindo a Deus a bênção para Espanha!

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

TOLEDO

A António Parreira Cabral

Abre o seu leque, em púrpura doirada,
a tarde, sobre a calma do horizonte:
e Toledo recorta-se de fronte,
de mim, como gravura desbotada…

O Tejo, adormecido, aos pés do monte,
- lâmina de aço, curva, cinzelada…-
Espera, pela tarde de balada,
que a Lua surja… poética desponte!

El Greco anda a pintar, na tela imensa,
o perfil da cidade, em forma esguia:
e, ele, em sombra do Tempo se condensa…

O Passado ressurge, ao fim do dia:
tão vivo e tão real como a presença
desta imagem, que é oiro de magia!

CIUDAD RODRIGO

Ao Tio Alberto

Quando abri a janela,
que singular visão!
era como se os campos de Castela
me tivessem florido o coração!
Este ambiente acorda,
dentro de mim, uma saudade louca!
nem sei que me recorda…
Sinto a bênção do sol na minha boca!
Qualquer coisa de sonho que foi meu,
(lembrança pura e calma…)
como sabor de luz vinda do Céu,
entrou em mim, quedou-se na minha alma…

Esta paisagem grave que eu olhava,
à luz do sol, a vez primeira,
era aquela que sempre me falava,
que sempre conhecera a vida inteira!
Pareceu-me que toda a minha vida,
ali, florindo, fôra,
em paz embaladora,
doçura indefinida…
De noite, eu só, nessa janela aberta,
era como fantasma em seu castelo,
a contemplar a vida que desperta,
depois dum pesadelo!

Ali, talvez, sofrera em outra era,
ali teria amado…
e, assim, tudo ficara à minha espera,
à espera que eu tornasse do passado!

Reminiscência dalgum longe incerto,
ou divagar da minha fantasia,
ressurgindo (miragem no deserto…)
da minha louca e vã melancolia?

Perpetuamente,
sempre a sonhar contigo,
fique, batendo em ti, meu coração,
Oh burgo esplandecente,
minha paixão,
Ciudad Rodrigo!

Nota

Os poemas seguintes continuam a ser do livro TERRA ARDENTE, mas dentro do capitulo IMAGENS DE ESPANHA

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

AQUELA PORTA…

Aquela porta… sim! aquela porta
sempre cerrada,
é sentinela morta,
que surge à entrada
do caminho da Vida!
Eu quero passar,
na estrada comprida
e cheia de luar!
Aberta esta porta,
a Vida é lá fora,
por mim a chamar!
Eu quero passar,
viver esta hora…
o resto, que importa?
Há música, há luzes, há gente que vive,
e tem o que eu sonho, e tem o que eu não tive!

É tarde, afinal… já não devo passar!
E caio, de joelhos, à porta, a chorar!

ALÉM DA MORTE

À memória da minha querida Avó

Tanto de mim se foi naquela hora
que sinto a minha vida quase morta…
mas presa, ainda, ao Mundo, pois não corta
as grades da prisão que me apavora!

Quero partir de todo! À minha porta,
a sua voz dorida, reza, implora,
para que a vá seguindo como outrora,
se o que resta da vida não me importa…

Tanto, tanto de mim foi a enterrar
com sua doce imagem de marfim,
que, além da Morte, há-de chamar por mim!

Ah, pudesse eu cumprir o meu desejo:
levar-lhe a minha vida… e, num só beijo,
dizer-lhe que podia descansar!

ÀQUEM

Os meus olhos, ao largo do horizonte,
perdem-se em vão anseio de Infinito!
Tudo é estéril tristeza! E, ao vento aflito,
desoladoramente, inclino a fronte!

Nem o clarear dum gesto que me aponte
o terminar da noite em que me agito;
sem que, da noite, enfim, se solte um grito,
sem que a luz dum milagre, enfim, desponte!

Sei, apenas, que vivo, porque existe,
sangrando, no meu ser, esta amargura,
que jamais me abandona: em mim persiste…

Vai mais longe que os longes da Planura
o meu olhar nevoento e vago e triste,
sempre àquem do que sonha e que procura!

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

MINHA ALMA

Minha alma de cigana é trágica e selvagem…
que rutila miragem,
que sonho ideal procura,
no deserto sem fim da sua noite escura?

Heráldica de dor: a sua imagem
é flama de Ansiedade, em campo de Amargura!

VENTO SUÃO

Toda a noite chorou, à minha porta,
o vento «suão»…
Foi arrastando tanta folha morta!
mas, não poude levar meu coração:
porque, pesado de ais, nenhuma força o leva!
Fica a morrer, ao abandono, em minha treva,
na minha solidão!

O ROUXINOL

O rouxinol cantara à Noite imensa,
(sobre este freixo, aqui, mesmo ao meu lado…)
cantara, como em sonhos, embriagado
de luar… e a Noite, em sua voz, era suspensa…

Cantou! Cantou! A Noite, por encanto,
abriu-se em flor… e, leve e pura e calma,
rescendia de Graça… o rouxinol cantava…

Porque, meu Deus! a espaços, entretanto,
de gostoso sofrer, baixinho soluçava,
erma e triste, a minha alma?

SÃO JOÃO DE DEUS

Ele nasceu nesta planície imensa,
que Deus tocou de graça merencória:
desde esse instante – como recompensa –
a terra abre-se em luz, abrasa em Glória!

Deus lhe marcou, sorrindo, almo destino:
ser Santo… ser herói… e sobrehumano
Poder… excelsa afirmação… divino
penhor da fé do Povo Alentejano!

Oh Montemor, aos claros céus erguida,
como oração – suspenso belveder –
foste madre de tão preciosa vida:
ficaste para sempre a esplandecer!

VISÃO DA ARRÁBIDA

Ao Professor Francisco Gentil

A paisagem que avisto é uma aguarela calma…
Em sua plácida beleza,
extasiada, transmite à nossa alma
a dádiva do Céu à Natureza!
Não se procura: vem, suavemente…
entrega-se, confiante;
dentro da gente,
fica a florir… é doce, instante a instante!

Ah, como eu sinto o bem da sua imagem:
abranda esta crueza, chama à Vida
meu revoltoso espírito selvagem!
Minha alma que se afoga, ennoitecida,
acorda ao resplendor desta visão
de imensa claridade…
e eu ergo para Deus uma oração…
e é todo puro o sonho que me invade!

A Serra beija o Céu, direita, a prumo,
e vai lançar-se ao mar que espuma em rendas…
Nos longes, há distâncias quase em fumo,
e o mar tem arabescos de legendas,
rimas de luz
de Agostinho da Cruz…
e pairam, num enlevo,
contas do seu rosário, em versos brandos,
que o Tempo anda a rezar, à flor do trevo:
pombas brancas sem fel…suaves bandos…
Do Céu azul, de seda transparente,
tomba divina unção que envolve tudo!
O sol é oiro quente…
os vastos pinheirais são de veludo,
as velas são papel rasgado ao vento,
sobre o mar de esmeralda e superfície lisa…
E este momento
parece eternizar-se… em sonho cristaliza!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

CAMPONESA

Ao Dr. Marques Crespo


Só falarei de ti,
(nada mais sei dizer…).
Oh Terra onde nasci
e onde quero morrer!

Há qualquer coisa em ti que me pertence
e será sempre minha;
só tua voz amiga me convence,
só ela me acarinha!
Mesmo distante, sempre estou a ver-te,
na poética lembrança que me invade ;
se meu coração ri e se diverte,
por ti, chora, desfeito de saudade!
Tu falas à minha alma com ternura
de mãe abençoada,
desde o romper da aurora à noite escura,
desde o sol-posto à luz da madrugada!
Eu sinto que me chama docemente
tua presença calma,
quando a tristeza imensa do poente
se reflecte nas sombras da minha alma!

Que me conserve Deus a minha casa,
na terra onde nasci,
e, na lareira, o fogo duma brasa,
onde a velha «boneca» me sorri:
Um «monte», apenas, branco, refulgente,
de «roda-pé» garrido,
aberto a toda a gente,
sempre de luz vestido!
Loiça vidrada, que saiu da feira,
para enfeitar,
e bilhas, frescas, sobre a «cantareira»,
para a sede de todos mitigar;
«arame» rebrilhante como espelho,
entre vasos de flores,
e esteiras novas de bonitas cores,
tingindo de alegria o chão vermelho…
Ambiente perfumado
de fruta pendurada e rosmaninho…
e pombas no beiral do seu telhado…
(Passam ranchos, cantando ao longo do caminho…)
Tudo ali resplandece, tudo brilha,
como um dia de festa!
Nos alegretes goivos e baunilha…
Ai, como a vida é boa assim modesta!

Eu, para ser feliz, não quero mais
do que este sonho, - simples aguarela:
à porta, uma latada e dois «poiais»,
e, sobre o poente, aberta, uma janela…
Gosto de ver o sol adormecer,
(graça que me ficou da alegre infância)
cerrando os olhos para anoitecer
nos longes azulados da distância!
A completar o quadro sossegado,
um oratório e cruzes de alecrim,
e a «bruxa» acesa, sobre o altar sagrado,
onde a saudade, um dia, há-de chorar por mim…
Esperarei tranquila, a minha sorte,
neste lugar…

E, sem medo da Morte,
a um lusco-fusco de oiro, hei-de passar…

SANTO ANTÓNIO

Nesta noite vermelha de arraial,
nasce em minha alma um sentimento novo,
original:
quisera ser do Povo,
cantar ao Santo António, a rir, a rir,
em alegria louca…
e sentir o sabor dos cravos a florir
na minha boca!

Balões de cor,
cravos rubros aos molhos,
dariam aos meus olhos
vagos sonhos de amor!

E eu iria colher ,
com outras raparigas,
as alcachofras roxas: p’ra saber,
na fogueira da Vida, entre cantigas,
a minha «sorte»!

- Oh Santo António, qual a «sorte», que me espera:
Uma vida de morte?
Uma vida de clara primavera?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

TARDE DE AGOSTO

A própria sombra é quente ainda,
sopram do poente bafos de fornalha;
qualquer coisa distante evoca uma saudade!
A música do «suão», em sua toada ardente,
arrebata a minha alma…
Sombras acordam, nesta luz de brasa,
sombras de Outrora,
sombras, talvez, de mim…
Adeja em febre o espanto das Queimadas,
e, em febre, é o meu cismar, da cor do lume!
Toda eu sou esparsa em longes, soledades,
nesta hora que passa,
nesta estranhesa,
que surge, ao derredor: no ar que se respira,
no «suão» aos ais, na esteva ressequida,
no silêncio do ocaso, todo em cinza…

«DE PROFUNDIS»

Dobram sinos de bronze, pelo espaço,
ecoa o «de profundis» num lamento,
o sol empalidece, triste e baço…
é o Estio a morrer, a cada passo,
a enterrar-se na luz deste momento.

A Terra veste cor de cinza escura;
nuvens toldam o ar, tornando-o espesso!
Há luto roxo em notas de amargura…
E tudo a sombra cobre e transfigura;
pressinto a Morte… e, lívida, arrefeço!

O Estio despediu-se, de repente!
(Adeus, oiro! Adeus, fogo purpurino!)
Despiu seu trajo rubro, incandescente…
como fogueira enorme, ao sol-poente,
ardeu na própria luz do seu destino!

Foi-se adensando a sombra no arvoredo,
desceu, desceu a noite silenciosa…
Résteas de sol ficaram em segredo
sobre as últimas rosas, quase a medo,
velando, em quietude religiosa…

Hora lilaz de místico abandono
envolve a campa enorme da Planura,
onde o Estio repousa em calmo sono…
A luz que anda nos céus é já de Outono,
insinua-se em nós, magoada e pura…

Mãos esguias de sombras o enterraram,
cobriram-no de poeira folhas mortas!
longamente, piedosas, o embalaram…
Em sinal das saudades, que ficaram,
cerra mais cedo a noite as suas portas!

MEUS PENSAMENTOS

Meus pensamentos bailam, desgrenhados,
Além, nesse horizonte, em «calma» alucinante,
dispersos nos restolhos abrasados,
perdidos pela curva larga e errante
deste bailado em fogo…
e, logo,
seguindo as chamas em delírio,
desfeita de martírio,
minha alma sangra ao vento!
Oh mágico «suão»,
tu planges, em teu lúgubre lamento,
o meu lamento em vão!
Meu corpo é terra ardente,
que se funde na hora incadescente!
Não me encontro, perdida na poeira,
febril, deste momento!
Meu coração
é toda a vastidão
da Terra em fogo, em alma, em sentimento!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

RECORDANDO O PASSADO

A minha Irmã

Seguimos, ambas, pela estrada fora,
e lado a lado, como antigamente;
contudo, a vida hoje é diferente
dessa vida de outrora.
Nós mudamos, também…
(de criança a mulher vão tantas penas…!)
Tu, mais feliz do que eu, mulher e mãe,
eu só mulher apenas…

Mas, olhando a distância do passado,
sinto-o perto de nós,
talvez por caminhar, sempre a teu lado,
ouvindo a tua voz…
Tudo ficou assim do que era dantes,
nesta moldura amiga,
e os outros tempos, que lá vão distantes,
conservam, para nós, a graça antiga…

A mesma casa, em volta,
o cenário que sempre conhecemos…
(Triste, o silêncio, solta
lamentos das saudades que nós temos…)
Foi nesta rua, à sombra dos lilazes,
que se passou a nossa vida inteira;
agora, como nós, os teus rapazes
continuam a nossa brincadeira!

A tua filha és tu! Como quem sonha,
cerro os olhos um pouco,
e, ao vê-la, assim risonha,
(que pensamento louco!)
volto a ser o que fui antigamente!
(não são, pois, as crianças
que envelhecem a gente,
só nos vêem trazer doces lembranças!)
Que miragem tranquila!
Oh meu Deus, quem me dera,
sempre, sempre, senti-la,
num doce reflorir de primavera!

Como tudo é igual nesta saudade:
o perfume dos campos,
o som, a claridade,
e até, à noite, os mesmos pirilampos,
na relva do canteiro!
tudo, nesta saudade, recordamos!
Eu quase chego a crer que o mundo inteiro
desejara sonhar como sonhamos!
E seria tão bom que este ambiente
se conservasse calmo até ao fim:
nós, tranquilas, à espera do poente,
na sombra do jardim!
Envelhecer assim,
será mais doce;
nem daremos por tal,
porque o nosso passado iluminou-se,
como antigo vitral…

Que importa se mudámos?
Nesta hora,
embora a vida seja diferente,
seguimos ambas pela estrada fora…

Pudessemos segui-la, eternamente!


(Nota minha: o "cenário" é o mesmo daqui e daqui)

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ELEGIA

À memória querida do meu Avô
Aberto Osório de Castro

Partiu contigo, Avô, toda a beleza,
que, em teu espírito, alada, resplendia:
fui o vitral, ao sol, que a reflectia,
confusamente, em pálida incerteza!

De ti vinha a Poesia!

Teus versos, que sonhavam primaveras,
tinham a luz das asas das Quimeras;
doiravam-me de sonho a natural tristeza!

Mas, não morreste, não! Eternamente,
o teu anseio eleva-se mais forte:
é Vida a perpetuar-se, além da Morte!

Mas, eu naufrago no meu sol-poente!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

ROSEIRA EM FLOR

A minha Mãe

Quisera, minha Mãe, trazer-te, ainda,
um braçado de flores, qual se eu fosse
a sombra da saudade, aquela sombra doce,
que traz ao meu cismar tanta lembrança linda!
Ao ver florir, de novo, esta roseira,
que rimas veste e enlaça,
eu senti, na minha alma, a luz da madrugada
da clara infância que foi oiro e graça,
jardim suspenso sobre a terra inteira,
canção alada…
Tornei a ver-te, Mãe, nova e bonita,
e julguei-me criança, como outrora!
Ah, não poder voltar, ainda, agora,
ao meu bibe de chita!
Como o curso da Vida quer matar
as nossas ilusões,
os nossos corações…
E o Tempo, em sua indiferença, corre…
já florescem, de novo, os laranjais!
e, em nós, saudosa, a primavera morre,
a desfolhar-se em ais…

«ESPÍRITO CINZENTO»

Desde sempre acompanha a nossa casa
o «espírito cinzento», a horas mortas!
tão leve como sombra duma asa…
e, quando a noite imensa tudo arrasa,
perpassa como fumo pelas portas!

Não tenho medo, faz-me companhia…
mesmo sem vê-lo sei que está presente:
foi do meu sangue, em tempos que vivia…
não sei quem é… em sombra fugidia,
perpassa…e, pelo vago, se pressente…

Habituei-me a Ele… a conhecer
sua presença amiga, sem terror,
e, desde a minha infância, o estou a ver…
numa ansiedade o sinto aparecer…
rezo por Ele, rezo com fervor.

Ninguém o reconhece, com certeza,
mas Ele vem dos meus antepassados!
É triste…mas é minha essa tristeza,
essa angústia, esse mal, essa estranheza,
esse anseio, esse estuar dos meus cuidados!

Oh, meu «espírito» errante, velho amigo:
quando chegar a hora de eu morrer,
vem acudir-me…leva-me contigo!
que a boa Morte seja, então, comigo,
pois que fizeste parte do meu ser!

DIVISA

A meu Pai
«Da linhagem dos Sandes,
Ao serviço de Deus,
por todo o sempre. Ámen». – Senhor,
eis a divisa dos heróis, dos grandes,
a projectar a luz no destino dos seus,
que, na vida, cumpriram com amor
a Vossa lei, honrando a Fé cristã!
Que o brasão, que foi sol, nos tempos idos,
do alto do nome dos meus antepassados,
seja gloriosa luz, no dia de amanhã:
trespasse de mil dardos incendidos
outros peitos e os deixe alvoroçados!
E que o provir se cumpra nessa crença
heráldica do nome antigo e belo,
ufano de presença,
e firme como torres dum castelo!

Que Deus vos abençõe, futuras gerações,
detentoras do símbolo ancestral:
guardai a Fé, em vossos corações,
sabei morrer por Deus e Portugal!

MÁGOA

Foram cortar as árvores que eu tinha,
em frente da janela:
a mágoa foi só minha
e ninguém deu por ela…
Dizem que é dar mais vida ao arvoredo
cortá-lo assim…
talvez…
que vai florir melhor na primavera!
mas, tenho medo,
(ai de mim!)
que não torne a sentir, mais uma vez,
essa luz encantada de quimera.

Quem sabe, se até lá,
terminadas serão as minhas lidas,
e apenas esta mágoa ficará
a lembrar tantas árvores partidas!

Entrou mais luz na casa triste, é certo;
porém, a sombra aumenta,
no perdido deserto
da minha alma em tormenta…

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

ALMA DA PAISAGEM

Toda a minha alma é a alma da paisagem,
que se reflecte em bíblico cenário,
tornando a minha vida à sua imagem…
Soa o meu coração, bravo e selvagem:
única voz no campo solitário!

ELOENDRO EM FLOR

Oh claro eloendro em flor, sangrando vida,
pelas ribeiras surges, campos fora,
e, ledo, e, tua graça enlouquecida,
roubas a cor à pura luz da Aurora!

És feito da minha alma reflorida,
desta alegria imensa que devora
toda a tristeza, esparsa e dolorida,
por esse descampado, nesta hora!

Quando a terra, sedenta, desfalece,
pelas ribeiras secas, prevalece
tua alegria, oh claro eloendro em flor!

E sobes…vais crescendo, como prece…
e a tua forma em fogo me parece
um coração a palpitar de Amor!

POENTES

De poentes de ígnea cor ando à procura
e vou colecionando, apaixonada:
hontem, hoje, amanhã, sempre encantada…
é quase uma ansiedade, uma loucura!

Adoro ver surgir a noite escura,
a esfolhar luz por suas mãos de fada:
luz a morrer, em pálida e doirada
agonia de cor e de amargura!

Poentes, em adeus, da minha terra,
de trágico fulgor, de tintas mansas,
sois em mim, como em álbum de lembranças!

Quanta ansiedade a vossa luz encerra,
quanta doçura e mágoa indefinida…
A vossa morte é a minha própria vida!

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

SIGNOS AMARGOS...

A vaga humana alastra, sinuosa:
ao longo da planície, é sombra imensa,
que, por escura via dolorosa,
vai lavrando enigmática sentença…
O sol banha de sangue a hora adormecida,
numa indolência moira… e a vaga espera…
mais outro dia igual, que vai matando a Vida…
uma angústia em que tudo se exaspera!
Nova expressão nos plainos infindáveis:
triste mancha sombria…
Signos amargos pairam, insondáveis;
uma revolta muda se anuncia!

Crise rural! Minha alma sofre e chora,
ante a visão de estranha realidade,
que me apavora,
que me traz em alarme de ansiedade!
A vaga aumenta:
em roxo escuro de tormenta,
em sua dor calcada e surda e bem humana,
enluta a vastidão da terra alentejana!

Eu, que pertenço à raça nobre e forte,
beijada, sol a sol, de luz ardente,
que nunca teme a Vida nem a Morte,
não reconheço a calma resignada,
a humilhante amargura
que me tortura,
porque a forma de ser da nossa raça
jamais se curva a quem por ela passa!
Irmã da terra mística e fremente,
eu sinto essa tristeza de agonia,
sinto-a em revolta duma angústia atroz,
porque ela, a terra, é nossa, e o pão de cada dia,
em nome de Jesus, pertence a todos nós!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

ALMA ERRANTE

A Urbano Rodrigues
A estranha alma insondável da Planície,
qual misterioso encanto da lonjura,
enigmática paira à superfície,
numa espécie de cisma e de crendice,
que não se encontra aonde se procura!

Estremece, palpita, na distância;
seu vivo sortilégio me domina;
pressinto-a no fulgor da minha infância…
num misto de ansiedade e de inconstância,
brilha nos versos meus, em cada rima!

Não se dá, mas impera em nossa vida!
Sua presença atrai, indecifrável,
e, assim, tão desejada e proibida,
assombra, em sua forma indefinida…
esfíngica, mantém-se impenetrável!

Ela adeja na aragem que flutua,
nos alqueives dormentes, nos restolhos,
no pôr-do-sol, na palidez da lua,
na flor de esteva que, em perfume, estua,
e na tristeza imensa dos meus olhos!

Ela pertence a todos e a ninguém!
Certas noites, de sombras desgrenhadas,
piedosa, na minha alma se detém…
e, logo, parte…e, já desvaira, além,
toda de oiro, na chama das Queimadas!

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

«CARRETEIRAS»

Oh, o Alentejo dum estranho encanto:
completa solidão nos descampados;
léguas e léguas… caminhar de espanto;
labirintos sangrentos de montados!
Confusas «carreteiras», entre o piorno,
entre estevais de aromaforte e bravo,
entre o silêncio morno
de fundo musical ardente e cavo!
É este o meu caminho de aventura:
«carreteiras» de sonho sem limite,
onde a fala se perde na lonjura,
por muitoque se cante ou que se grite…

Vagas chamas de loucos pensamentos,
atalhos de sonâmbula tristeza,
encruzilhadas mortas e lamentos,
tudo em mim se confunde e é Natureza!

E fascina-me o pó da «carreteira» calma…
(Sonha, sonha, a minha alma!)

Caminho em desatino…
(É vago o meu olhar, triste o meu porte!)
Pobre sombra batida do Destino,
desfolhando ilusões inda em botão,
enterrando e pisando o coração,
na «carreteira» que vai dar à Morte!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

SILÊNCIO

Adoro, à tarde, este silêncio amigo
e quedo-me a escutá-lo, num enlevo!
Parece que me fala a voz do trigo,
a rama do olival, a flor do trevo!
E os meus olhos tão cheios, a esta hora,
de singular meiguice,
vão perder-se, num sonho, campos fora,
ao longo da planície!
Até pequenas coisas lhes são caras…
no sonho doentio,
vão beijar os montados, mais as searas
e os ribeiros e as terras de pousio…

Nesta hora, no ambiente largo e calmo,
à pura luz dos Céus,
parece erguer um salmo
a Terra para Deus!

A tarde vai caindo, silenciosa;
a Cor, de rubra e trágica, tornou-se
em palidez de rosa:
desmaia, leve e doce…
A fogueira do poente
Foi-se extinguindo,
suavissimamente;
e, além, muito de manso, a lua vai subindo,
guardando, ainda, no calor do rosto,
o beijo do sol-posto!

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

ANOITECER

Ao Roberto
Rendas negras, em múltiplos recortes,
o arvoredo desenha sobre o fundo,
que sangrava fogo ardente, de tons fortes,
sobre a curva do Mundo!

É de cristal o Céu, na transcendência
do lusco-fusco mágico da hora:
desde o vermelho ideal à doce transparência
dum hálito de luz que se evapora!

Reclina-se, dormente, na penumbra
a Serra de Ossa, em vaga ondulação:
respira a luz da hora que deslumbra,
e tem o palpitar dum coração!
Um véu lilaz da infinda suavidade
cobre o seu corpo que descansa na planura…
Tudo é melancolia, soledade,
tudo outra vida, outra ilusão, procura!

E, mística e pagã,
cintila a grande tela do sol-pôr!
É rubra como os bagos da romã
são rubros, bárbaros de cor!
De tudo se desprende
um não sei quê de bíblico e selvagem…
minha alma se surpreende
a falar com as sombras da paisagem,
a compreendê-las…

Absortas, nascem, como em sonho, estrelas…

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

EU

Eu vivo para além da fita azul,
que o Tejo marca a luz, nas solidões
sagradas, onde a voz do vento sul
soluça, entoando cálidas canções!
E da vasta amplidão, de sonho enorme,
o áureo limite funde-se no Céu,
conforme
seu coração no meu!

Oh minha terra, cismas revolvendo,
absorta e muda, horas sem fim:
só a falar de ti é que me entendo,
porque é falar de mim!
Minha alma estranha reconhece
Que é só por ti que sente e sonha e se engrandece!
Errante, te procura,
sangrando de amargura…
Comungo em tua mágoa,
oh terra ardente;
anseio a gota de água,
deleitosa, que mata a sede á gente!

Mas sei, também, viver as tardes calmas
da tua graça, a desfazer-se em luz,
quando embalas, sorrindo, as nossas almas,
e anuncias milagres de Jesus!
Sentir a paz, o sol duma alvorada,
é como pressentir o próprio Amor!
(Já tudo, em derredor),
é luz abençoada!)

Eu vivo para além da fita azul
do Tejo, nas paragens de tristeza
dos estevais… Selvagem flor do Sul,
encarno em Natureza!

TERRA ARDENTE

Segundo livro de poemas de Maria de Santa Isabel.
Editado em 1951 e dedicado ao também poeta e seu grande amigo Mário Beirão.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Visão de espanto

Oh, bárbara tristeza:
O sobreiral, numa revolta muda,
Em mágica e fantástica beleza,
Sangrento, se desnuda!
Atrai-me esta tortura
Do trágico arvoredo,
Esta amargura
De fulvo espanto, de ansiedade e medo!

Olho a distância, o sol vermelho, ao fundo:
O sol tomou a cor do «sobro» mutilado…
E visões de outro mundo
Acordam, de repente,
Á flor do mar desvairado
Da minha fantasia incandescente!

terça-feira, 13 de julho de 2010

Maria Triste

Maria Triste, como tu mudaste,
Como sorriste no teu São Martinho,
Inebriante e forte como o vinho,
Foi numa taça ardente que o tomaste!

E refloriste como a primavera!
Primavera em novembro, Santo Deus!
E tanto sol brilhou nos olhos teus
Que tu foste a rainha da Quimera!

Também, no meu jardim, em certo dia,
(Milagres do verão de São Martinho…)
O espinheiro floriu, branco de arminho:
Como se fosse em pleno Abril, sorria…

Mas foi pequena a derradeira festa…
Voltou o frio; a flor morreu, gelada…
Foi um adeus à vida, um quase nada,
Que assim matou a pobre flor modesta!

Maria triste, olha, tem cuidado,
Se a tua primavera já passou,
Não queiras renová-la, pois findou;
Na vida não tornamos ao passado…

A esse tempo não se volta mais;
Passa um dia por nós, rapidamente,
Mas não torna a florir, dentro da gente,
E, pelo outono, há sonhos irreais.

Crisântema doirada, eu te lamento!
Nunca, nunca tiveste primavera,
E ficaste, num sonho, à sua espera
P’ra seres desfolhada pelo vento…

Bonecos de Estremoz

Bonequinhos de barro de Estremoz!
Floridas cantarinhas! primaveras !
Figuras dum presépio de quimeras!
Quem foi que lhes deu vida no meu sonho?
Eterna fantasia cor de luz,
Milagre suavíssimo, risonho,
Do Menino Jesus…

Horas da minha infância, luminosas,
Da minha crença infinda…
Que até mesmo nas sombras dolorosas
Me iluminam ainda!

- Pelos campos de musgo vão subindo,
Em marcha vagarosa,
Pastores e rebanhos! Sonho lindo,
De quando a nossa vida é cor de rosa!
Um mundo de brinquedos, de alvo encanto,
O mundo em que eu vivi,
De quando sempre em nós é dia santo
E tudo nos sorri!

Lá vão os Reis Magos,
De olhos fitos na estrela que rebrilha,
Reflectindo no espelho azul dos lagos,
A sua luz, doirada maravilha!
Estrelinha anunciando milagrosa
A vida do Menino…
No céu da tela, vibra, luminosa,
Com um fulgor divino!
E, no presépio, além,
O nosso Bom Jesus de olhar profundo…
São José… Sua Mãe:
Eis o poder do Mundo!

Cenário de ilusões! Ainda, agora,
De olhos ardentes, vou fitar-te em vão…
Não sinto em mim aquela paz de outrora…
Mas deixa-me sonhar o coração!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Cair da tarde

Desfolham-se os rosais do meu jardim…

Tão leve como doce sombra de ave,
Num palpitar suave
De penas de cetim,
Que a noite desça, agora, sobre mim…

Espírito perdido

Toda a planície funde-se no Céu;
Apaga, na distância, a sua imagem!
Meu pensamento vasto, irmão do seu,
Em busca do meu ser que se perdeu,
Esfumou-se na sombra da paisagem!
- Planície, minha irmã, vem ajudar-me,
Eu quero, em ti, sentir-me novamente:
Nos teus longes cinzentos encontrar-me,
Para depois calar o som de alarme
Que, em mim, se repercute estranhamente,
E sangra como a luz dum fúnebre poente…

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Deusa da Planície

Minha alma é a Deusa triste da Planície:
Pressinto em mim a sua forma estranha!
Sem querer, sem pensar, ela mo disse,
Como lenda remota me acompanha!
A palpitar de vida, no meu peito,
Eu trago ainda o coração da Terra:
O barro, no meu sangue, foi desfeito…
Toda a planície a minha vida encerra!
Até o pó da estrada se levanta,
Querendo-me beijar!
Tudo em redor de mim, sorrindo, canta,
Sentindo-me passar!

Sombras, que a tarde doira, nesta hora,
Vinde chorar comigo!
(É tão grato saber que alguém nos chora,
Além, nos olivais…à flor do trigo!)

Se rio, sinto em mim o sol doirado…
Que fantasia louca!
Deixando-me o sabor apaixonado
Dum beijo ardente sobre a minha boca!
Se choro! Mãe do Céu…a sombra escura
Desce da noite, envolve-me em seu manto,
E a tempestade, cheia de amargura,
Afoga-me num pranto…

Sentimento de sonho que me invade?
Amor que a Terra trouxe?
Ressurjo, nesta hora de saudade,
Tão vaga e doce…

Quando eu morrer, a terra há-de sentir
O bem de recolher-me nos seus braços,
E sobre a campa rasa hão-de florir,
Nessa hora desfeita de cansaços,
A urze triste, a giesta desgrenhada…
E, à sombra do crepúsculo, diluído,
Virá ungir-me o pranto da geada!

Hão-de chamar por mim, naquele sono,
As rubras tardes de oiro que eu cantei;
Eterno apaixonado, o belo Outono,
Virá trazer-me os beijos que lhe dei…

E hão-de as tardes chorar-me, a recordar
Como outras primaveras me esperaram!

E, encarnando as saudades que ficaram,
A Deusa da Planície há-de voltar…

Prece

Avé Maria, minha Mãe do Céu:
Novembro, o mês da morte, aproximou-se,
Toldando o nosso olhar como se fosse
Um denso véu.
Há rosas desmaiadas no canteiro;
É triste a luz do dia;
Parece que um anseio de agonia
Envolve o mundo inteiro!

Rezemos pelos mortos, nesta hora;
Oh Mãe do Céu, ouvi a nossa prece!
Olhai, até parece
Que a natureza chora!
A chuva cai, espavorida;
O vento agita-se, bravio,
Transindo-nos de frio
A alma dolorida!

- Dai aos mortos, Senhor, a paz infinda
Que só no Céu existe,
E aos vivos, neste mundo, hostil e triste,
Uma crença maior, maior ainda!

terça-feira, 8 de junho de 2010

Canto

Canto a dor dos que sofrem, apagados,
A «calma», ao estio ardente,
Sol a sol, trabalhando, angustiados!
Canta a dor, canta a cruz dos revoltados,
No calvário bendito da semente!

Eu sou a voz dos simples, que se eleva,
O murmúrio de pena
Que ressurge na treva…
Eu sou a tez morena
Do que morre na arena
Pela vida que leva!

- Meus irmãos de agonia,
Meus irmãos de amargura:
Nesta luta do pão de cada dia,
A vossa mágoa
Anseia, como a terra que procura,
No céu, a gota de água…

Noite

No dia inteiro e triste,
Nada surgiu…
E só a dor persiste,
Só ela não partiu…
Dia feito de obscuros sacrifícios,
Sem artifícios,
Que ninguém viu…
Dia banal,
Inteiramente igual
Aos outros já passados:

Dias magoados,
Irmãos dos que hão-de vir
Até morrer,
Na forma de sofrer
E de sentir!
No dia triste,
No dia triste, quando anoiteceu
Mal se notou
Que a luz, aos poucos, se apagou,
Como quem renuncia e de tudo desiste,
Porque a noite era Eu…

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Incensação

Que a minha oração, Senhor
chegue até vós
como o perfume de incenso!
E que as minhas mãos erguidas
sejam o sacrificio da tarde.

Que o meu olhar acenda nas estrelas
a grande Fé de toda a humanidade!
Seja o meu coração rosa de sangue,
a abrir, a Vosso lado:
e a minha alma, Senhor,
o cântico de luz!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Natal

Todo o cenário é triste, nesta hora:
O mundo a arder; a terra ensanguentada;
Entardecer de vida, que apavora;
Depois, a cinza… o nada…

Mas o Natal caminha para nós,
Tão calmo e luminoso,
Como um luzeiro límpido e veloz,
Atravessando o céu tempestuoso !
- Meu lindo cromo antigo !
Eis o presépio santo de Jesus,
Como um saudar amigo,
Animando a levar a nossa cruz !
Jesus-Menino, ante a visão da morte,
É vida que ressurge novamente !
Que a Sua bênção traga boa sorte
Ao coração da gente,
E que os Seus olhos de Menino-Deus
Não se fechem de assombro e de tristeza,
Que mandem lá dos Céus
A graça divinal à Natureza !
Que o mundo sinta um novo coração,
Que se transforme a alma arrependida,
Toda bondade e toda compaixão,
A palpitar de vida !
Que o mau se afaste e só o bom domine !
Deus sabe o que há-de ser…
E tudo, tudo mais, que determine,
Em Sua omnipotência, o mundo há-de fazer !

Nosso desejo se resume
Em palavras de amor !
Que a torva guerra apague o estranho lume…
E se viva na graça do Senhor…

Vertigem

Veste-me a noite a pálida mantilha
Do seu luar de espuma:
Oh, que fresca poeira de escumilha!
Meu coração é cravo de Sevilha,
Que entontece e perfuma…

A noite abre-me os braços;
Envolve-me o silêncio, - a estranha calma;
Nem pressinto os meus passos;
Oiço, apenas, suspiros da minha alma…

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Oração

Oh Além-Tejo!... Eu sinto essa beleza
Que só os nossos olhos sabem ver!
Qualquer coisa de nós… pena… tristeza…
Nem sei como dizer!
Abrindo o meu olhar à luz intensa
Do sol que resplandece,
Fico a adorar a minha terra imensa:
Envolvo-a numa prece!
Minha terra de fogo, minha vida,
Campos de oiro sem fim!
Ocasos, na planície adormecida,
Vozes que surgem a chamar por mim!

Sei lá dizer porque te quero tanto,
Oh minha irmã de luz!
Clara visão de encanto,
Que o meu olhar traduz!
Cerro os olhos, depois, devagarinho,
E fico a respirar o teu aroma forte:
Os estevais, a giesta, o rosmaninho!
E eu agradeço a Deus a boa sorte
De seres minha, oh terra de tristeza
E das meditações, - em áureo sonho acesa!

terça-feira, 1 de junho de 2010

Mote

Não sei a cor dos teus olhos,
São lindos, o mais não sei…
Sejam pretos ou castanhos,
Que importa, se os adorei?

Glosa

Foi numa tarde de feira,
P’la festa de São Mateus…
(Embora queira ou não queira,
Perdi meus olhos nos teus…)
- A boca a saber a sol,
Entontecida, fremente,
Nada há que me console…
E procuro, em toda a gente,

Teus lindos olhos que eu vi,
E nunca mais encontrei…
Sejam pretos ou castanhos,
Que importa, se os adorei?
Tinham encantos tamanhos
Que me prenderam a ti!
Não sei a cor dos teus olhos,
São lindos, o mais não sei!

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Silêncio

O silêncio da noite ergueu-se, agora,
Como fantasma que surgiu da bruma:
Silêncio enorme que se esfuma…
A vida é outra, agora:
A noite a idealiza…
A noite elege a calma Poesia,
Como um gesto de Deus, acaricia…
Tudo se abranda e purifica…
Minha alma é toda branca:
Sobre o negro da noite, ela aparece
Como gema de luz,
Que, em estojo de sonho, resplandece…

O meu moinho

Oh meu velho moinho! Que saudade!
Há quanto tempo já não vinha ver-te!
Minha doce lembrança! Vou dizer-te
O grato sentimento que me invade!

Encontro, agora, em ti a minha infância,
Meu eterno passeio de menina,
Num murmúrio de fonte cristalina
Se avisa em tintas leves e distância!

O meu banco de pedra! O rosmaninho,
Que há tanto aqui deixei e se conserva,
Como em cofre de sonho se reserva,
Florindo no passado, o meu caminho!

A tarde vai caindo, mansamente,
Mas eu nem dou por ela, enternecida,
Como quem vê num sonho a própria vida
A projectar-se ao longe, docemente!

Fico esquecida, assim, a recordar,
Matando esta saudade que trazia!
Como tudo é igual na fantasia
E na tranquila paz deste lugar!

Daqui avisto a minha terra, agora,
Como piedoso altar que se levanta,
Erguendo ao Céu essa Rainha Santa,
Que em milagres floriu, consoladora!

Que importa o tempo?... Eu vivo a fantasia!
Que importa a morte?... A vida é que domina!
Se até, na gota de água cristalina,
O mundo se renova, em cada dia…

Ai quem me dera aqui poder ficar,
Neste velho moinho, recordando!
Sem dar que pelo tempo ia passando,
Sem o tempo consigo me levar…

Estremoz – Janeiro de 1945

Melancolia

Porque trouxeste as horas já vividas
Para, neste momento, recordar?
Porque notaste as lágrimas caídas,
Que jamais tornaremos a chorar?

A vida não tem páginas relidas,
Tudo nela é constante renovar,
E nós somos as folhas ressequidas
Dum poema que o Outono vai rasgar…

Folhas mortas, que ficam sossegadas,
Deixai-as para sempre nas estradas…
Para que levantá-las, ventania?

Antes morrer na paz do esquecimento,
Do que ser arrastada pelo vento,
Em hora de cruel melancolia...

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Cantos da minha terra

Cantos da minha terra! que saudade,
Que profunda tristeza, que amargura!
Ecoam, longe em longe, na planura,
Repercutindo a pena que me invade…

Lamentações cortantes de ansiedade,
Tristes canções chorando, com ternura,
Um não sei quê de pena que tortura,
Encantação que traz fatalidade!

A mim, porque nasci alentejana,
(Sangue de moira em raça lusitana…)
Tudo me prende aqui, tudo me atrai!

Envolve-me esta sombra de agonia:
A tristeza que paira, ao fim do dia,
Num canto que se alonga e é sempre um ai!

terça-feira, 25 de maio de 2010

A minha boa estrela

Aquela estrela, pura e luminosa,
Todas as tardes brilha na janela,
Que parece moldura para Ela
No cenário de vidro cor de rosa.

E como é doce a amiga silenciosa:
Poego de oiro luzindo numa tela,
Derradeira ilusão duma aguarela,
Nesta hora de sonho dolorosa!

Eu nem acendo a luz! Fico-me a vê-la,
Nessa penumbra calma que me invade!
Pobre louca…talvez queira detê-la!

E quando Ela se parte… em ansiedade,
Eu cuido ver a minha boa estrela,
Perdida no silêncio da saudade…

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Hora de sesta

Hora de sesta… À sombra do montado,
A «malta» adormeceu! Abrasadora,
É a «calma», pelas terras de lavoura;
Secou a ervagem pelo descampado.

E o sobreiral, num prato ensanguentado,
Ergue os braços ao céu! – Nossa Senhora,
Envolve-o nessa mágoa redentora
Do teu olhar de luz abençoado!

O canto das cigarras entontece;
A aragem queima a alma; o sol abrasa;
Nem uma fonte anima esta paisagem!

Hora de sesta! Sombra que entristece,
Lenta, os nossos sentidos… Vida rasa,
Que se consome em chama de miragem…

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Pucarinhos de barro

Pucarinhos de barro, quem me dera
Sentir, na minha boca, essa frescura
Da vossa água perfumada e pura,
Que me traz o sabor da primavera!

Quanta boca ansiosa vos procura,
Num símbolo de crença e de quimera:
Simples imagem viva, bem sincera,
Dum mundo de ilusões e de ternura!

Meus santos pucarinhos, milagrosos,
Cumprindo as gratas obras do Senhor,
Dando de beber aos lábios sequiosos:

Minha boca vos beija com fervor,
Como se, noutros tempos luminosos,
Beijasse ainda o meu primeiro amor!

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Miragem

Daqui, da minha Torre de Menagem,
Vejo florir, ao longo da planície,
«Montes» caiados vindo à superfície,
Como beijos de luz sobre a paisagem.

E, longe, muito longe, que miragem!
Um traço azul, Senhor, como se eu visse
O mar imenso, além, que nos abrisse
A novos horizontes a passagem!

Quem me dera partir, pelo mar fora!
Sonhar de novo, à luz de cada dia,
As ilusões que em mim senti outrora!

Quanta imaginação! Quanta amargura!
Por esse mar de louca fantasia,
Meu pobre coração vai à procura…

Estremoz (na Torre de Menagem)
Primavera de 1939

Flor sem nome

Eis que, na estiagem bárbara, surgiu,
Num canto de jardim abandonado,
Espécie inverosímil de relvado,
Como a graça dum sonho que floriu!

Rasteirinho, tão leve, coloriu
Dum amarelo vivo acentuado
Esse tapete simples, matizado,
Que um não sei quê de vida resumiu!

Foi bem do Céu esta pequena oferta!
«Flor sem nome», que um sopro desvanece…
Mas que perfuma a casa mais deserta!

Quantas vezes, em nós, isso acontece!
Um sonho… uma ilusão que assim desperta…
No coração que, morto, nos parece…

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Alma alentejana

Agosto em brasa… O céu, de zinco ardente,
Palpita em «calma», desde a madrugada,
E a terra inteira seca, revoltada;
Todo o arvoredo sangra, impaciente!

Os «restolhos» crepitam na «queimada»
Deste sopro de lava incandescente,
Que se reflecte em fogo, no poente,
Em mágica visão alucinada!

Nem mesmo quando chega a noite escura,
Um bálsamo suave de frescura
Envolve a terra em místico sudário!

Mas, por que fantasia de ternura
Minha alma alentejana só procura
Este louco e fantástico cenário?

Conselho

No meu passado há sol: há claridade,
Que à sombra do futuro resplandece,
Quanto mais o caminho me escurece,
No presente, que é feito de saudade.

Encontro ainda tanta suavidade
Ao relembrar! Ás vezes, me acontece
Sentir o coração que me envelhece,
A reflorir de novo em mocidade!

Sempre é doce o passado recordar:
- Aprende a envelhecer tranquilamente,
Colhe da vida o que ela te quer dar…

Envelhecer assim não custa nada:
É como quem procura, no poente,
A estrela que brilhou na madrugada…

terça-feira, 18 de maio de 2010

Primavera

Quero-te bem, ó doce primavera,
Que vens encher de cor a minha vida:
Minha irmã – alegria tão querida,
Meu ideal de sonho, de quimera!

Em mim, sentir-te sempre, quem me dera;
Adoro ver a terra assim florida,
Por esse teu aroma entontecida,
Toda vida, glicínias, folhas de hera.

Eu vou colher, além, nos olivais,
Madressilvas, roselas, lírios bravos,
A anémona, um lilás de tons ideais…

A primavera passa…mais um dia…
E, sobre a mesa, vão murchando os cravos…
Como o Tempo esfolhou minha alegria!

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Além-Tejo

Ao grande elegíaco de Além-Tejo:
Mário Beirão


«Ó planícies extáticas», dormentes,
Vão beijar-vos meus olhos desbotados,
Cor da azinheira triste dos montados,
Como pegos, à noite, reluzentes!

E, assim, ao ver-vos, quedam-se frementes:
Terras sem fim, restolhos abrasados,
Infindos horizontes, descampados,
Miragens que me trazem os poentes…

Nessa hora de inertes desalentos,
Fico-me a olhar, profundamente calma,
As vestidões… um mar de pensamentos!

Barros sangrando… cal de incertos «montes»…
Oh Além-Tejo, oh alma da minha alma,
Bate o meu coração nos horizontes!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Flor de Esteva

Venho encontrá-la já quase a morrer,
A minha pobre «esteva do montado»,
Que, antes, eu vira alegre, florescer,
Junto à «linda» riscada pelo arado!

Levei ao Casalinho de Bel Vêr
A rainha do grande descampado;
Mas ela não quis mais ali viver,
Sem «maios» e «roselas» ao seu lado.

Falta-lhe o ardor do sol alentejano,
Aquela sombra amiga dos sobreiros…
Já não teve as «geadas» deste ano.

E morre de saudade e nostalgia,
Sem ter o barro e a cal por companheiros,
Queimada pelo ar da maresia…


Casal de Bel Ver – Ericeira *
Outono de 1935

*casa dos seus Avós Maria Catarina de Sousa Coutinho e Alberto Osório de Castro

quarta-feira, 12 de maio de 2010

À MEMÓRIA DE MEU AVÔ, O POETA ALBERTO OSÓRIO DE CASTRO

Ali fiquei ao pé do meu Avô,
Até que Ele partiu
Para não mais voltar…
Mas, o seu espírito ficou;
E, na saudade eterna, refloriu
Para me deslumbrar…
O melhor que Ele tinha me legou:
A sua fantasia
De ardente crepitar;
Este anseio em que vivo a delirar,
De voo em voo;
Esta melancolia…

terça-feira, 11 de maio de 2010

Inscrição no livro FLOR DE ESTEVA

Desse bruxo em delírio - transportado
Evocador do Oriente e do seu flóreo
Esplandecer - do grande Alberto Osório
Herdaste a febre em que ele ardeu, extasiado:

Ergues a voz...e o raso descampado
De Além-Tejo a perder-se, merencório,
Como que aspira ao Céu; cresce, incorpóreo,
Em teu canto, nos ecos espraiado!

Oh, que sabor de terra em tuas rimas!
Falas de estevas, urzes, folhas secas:
No verso, em que as exaltas, te sublimas!

Cantas...e um Anjo, ao largo, se suspende:
Pasma, a escutar...e a noite das charnecas,
Mais fúnebre, masis cálida, rescende...

MÁRIO BEIRÃO

sexta-feira, 16 de abril de 2010

16 de Abril 1910




"Nada chegou a tempo... Fui morrendo,
Por caminhos dispersos,
Onde a Cruz dos meus versos
Era a única luz resplandecendo ! "